Numa declaração escrita à agência Lusa, Durão Barroso considera “absolutamente falso” o argumento de que o antigo Presidente da República foi “o último a saber” da Cimeira das Lajes, realizada em 16 de março de 2003 e que viria a abrir caminho à intervenção militar no Iraque e posterior deposição do regime de Saddam Hussein.
“O meu contacto com o Presidente da República deu-se quase imediatamente, por telefone, após telefonema que recebi de Aznar [chefe de Governo espanhol], solicitando-me que se realizasse em Portugal a reunião com o Presidente dos EUA [George W. Bush] e o primeiro-ministro do Reino Unido [Tony Blair]”, assegurou ex-presidente da Comissão Europeia na mesma declaração enviada à Lusa.
“O então Presidente, Jorge Sampaio, não só não foi o último a saber, foi na realidade a primeira a pessoa a saber e mesmo a única entidade que eu consultei antes da decisão tomada”, relatou.
Durão Barroso rejeita assim o argumento inscrito no segundo volume da biografia de Jorge Sampaio. No livro, o autor José Pedro Castanheira dá mesmo o título de “Sampaio é o último a saber” a uma das secções do capítulo dedicado à chamada Cimeira das Lajes.
E sustenta a ideia, recorrendo a uma declaração do então assessor diplomático do Presidente da República Bernardo Futscher Pereira: “O Presidente foi avisado de que ia haver uma cimeira em território nacional duas ou três horas antes de ser anunciada oficialmente. Fiquei furioso!”.
José Pedro Castanheira escreve que Jorge Sampaio recebeu um telefonema de Durão Barroso ao início da manhã de sexta-feira, 14 de março de 2003, manifestando “absoluta urgência” em falar-lhe, embora não ao telefone.
Combinaram então um “encontro imediato” no Palácio de Belém, no qual o então primeiro-ministro comunicou ao Presidente que dois dias depois, em 16 de março, iria ter lugar em território nacional aquela que viria a ficar conhecida como Cimeira das Lajes.
“Eu não tinha que autorizar ou deixar de autorizar, dado os poderes que o Presidente tem em política externa. Desde setembro que ele sabia a minha opinião. Respondi-lhe: ‘Se me diz que é uma derradeira e essencial tentativa para a paz e evitar a guerra no Iraque, nada a opor”.
Relativamente ao assentimento presidencial, ambos concordam e Durão Barroso voltou a sublinhar este ponto na declaração que fez hoje à Lusa.
“A cimeira não poderia aliás ter tido lugar se o Presidente da República, que é também Comandante Supremo das Forças Armadas, não tivesse concordado com a sua realização dado que a base das Lajes, ainda que cedida temporariamente aos EUA, é uma base militar portuguesa. Seria obviamente impensável realizar-se lá evento político diplomático tão relevante sem o consentimento do Chefe de Estado português”, salientou Durão Barroso.
O ex-primeiro-ministro salientou: “o Presidente Jorge Sampaio foi a primeira pessoa a quem referi a hipótese da Cimeira das Lajes e a única por mim consultada a esse respeito”.
“Deu o seu acordo quanto à sua realização. Pode naturalmente mudar-se de opinião quanto a essa opção. Mas não pode agora alterar-se aquilo que realmente aconteceu", afirmou.
Em maio de 2016, o antigo líder do PSD e atual presidente do conselho de administração do banco Goldman Sachs já abordara a concordância prévia de Sampaio. E o ex-Presidente, em artigo de jornal, invocou os mesmos argumentos, designadamente de que “não cabe ao Presidente autorizar ou deixar de autorizar atos de política externa” e de que “nada teria a opor” à cimeira, verificando-se os pressupostos de se tratar de “uma derradeira e essencial tentativa para a paz e evitar a guerra no Iraque”.
Continua por esclarecer se o antigo Presidente foi “o último a saber”, como refere o jornalista José Pedro Castanheira, ou se soube logo após a solicitação espanhola para a realização da cimeira, como assegura Durão Barroso.
A agência Lusa pediu um comentário ao gabinete do ex-Presidente da República sobre as declarações do ex-primeiro-ministro, o que não foi possível até ao início da tarde.
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