“Temos razões para achar que o Tratado de Lisboa foi ‘porreiro, pá’”, afirmou Augusto Santos Silva, durante um debate evocativo do décimo aniversário do tratado, que decorreu na Assembleia da República.
O ministro recordou assim a expressão do então primeiro-ministro, José Sócrates, ao cumprimentar o, à época, presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, quando foi anunciado o acordo sobre o tratado, no dia 13 de dezembro de 2007.
Antes, o chefe da diplomacia portuguesa tinha recordado que era, naquela data, ministro dos Assuntos Parlamentares do Governo de Sócrates e, como tal, “testemunha presencial do enorme esforço, trabalho e dedicação que exigiu ao primeiro-ministro, ao ministro dos Negócios Estrangeiros [Luís Amado] e a outros ministros e consultores diretamente envolvidos o processo de negociação final”, salientando também o papel do então representante permanente de Portugal junto da União Europeia, embaixador Álvaro Mendonça e Moura, e do então diretor-geral dos Assuntos Europeus, embaixador Nuno Brito.
“Foi uma equipa que conseguiu resolver várias das pontas soltas que a presidência alemã [do Conselho Europeu, durante o primeiro semestre de 2007] tinha deixado e conseguiu fazer com que no dia 13 de dezembro de 2007 o tratado fosse assinado”, salientou.
Dez anos depois da assinatura do Tratado de Lisboa – que só entraria em vigor em dezembro de 2009 -, Santos Silva destacou os seus aspetos positivos, entre os quais a sua longevidade – é o único tratado europeu que em dez anos não foi revisto, ao contrário dos seus antecessores.
“Basta ver o atual retraimento anglo-saxónico, com o ‘Brexit’ e com as novas linhas de política externa da administração norte-americana para perceber que a força que resta para compensar esse retraimento é a União Europeia e a sua política externa e de segurança, tal como o Tratado de Lisboa o definiu”, disse. Uma das inovações do acordo foi a criação do cargo de alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, atualmente desempenhado por Federica Mogherini.
Nesta sessão estiveram também o ministro dos Negócios Estrangeiros da altura e o então representante do Parlamento Europeu Paulo Almeida Sande. O jornal i noticiou hoje que o PSD propôs a presença de Durão Barroso, que não pôde participar por ter um compromisso internacional, mas o nome de José Sócrates “nunca chegou a ser uma hipótese real nos convites ponderados pelos partidos da comissão dos Assuntos Europeus”, que organizou a iniciativa.
O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amado considerou que o Tratado “inovou ao procurar responder ao problema do poder no sistema internacional, em rápida mudança, e procurou criar condições para que a União Europeia se tornasse um ator de relevância no sistema internacional”.
Mas, sublinhou, “falhou a forma como ele foi implementado”, classificando como “absolutamente dramática a forma como foi gerida a relação com algumas regiões de vizinhança e como foi gerida a política externa na última década, pela ausência de uma visão estratégica dos interesses comuns europeus que pudesse congregar a vontade das instituições e a vontade dos Estados-membros”.
O professor universitário Paulo Sande concordou com Santos Silva ao sustentar que a “grande oportunidade” da UE se encontra “na espécie de vazio nas relações internacionais que decorre deste retrocesso na posição americana em termos de globalismo e de relações comerciais”.
O especialista em temas europeus mencionou que “o problema mais sério” que a Europa enfrenta hoje é a forma como se ajusta “a uma tão rápida transformação que se verifica na sua vizinhança geopolítica”, considerando que a UE está “num processo de isolamento e de dificuldade de relação com as suas relações de vizinhança absolutamente impressionante”, nomeadamente com a Rússia, Turquia, Arábia Saudita e Irão e na relação transatlântica.
A presidente da comissão parlamentar de Assuntos Europeus, Regina Bastos, realçou “o papel que o Tratado confere aos parlamentos nacionais, como garante do bom funcionamento da UE e reconhece que os governos nacionais são democraticamente responsáveis perante eles”.
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