"Isto nos ensinou Mário Soares, e por isso lhe devemos tanto. Do fundo do coração, obrigado, Mário Soares", declarou Augusto Santos Silva, numa sessão evocativa do antigo Presidente da República Mário Soares, realizada na Assembleia da República.

Num discurso de cerca de seis minutos, em nome do Governo, o ministro dos Negócios Estrangeiros enunciou os ensinamentos legados por Mário Soares, começando pelo Estado de direito: "Que os homens as mulheres são livres e iguais em direitos, e os direitos humanos constituem o fundamento mesmo da sociedade".

"Os direitos são múltiplos e interdependentes", prosseguiu, acrescentando: "A vida, a dignidade humana, a livre expressão de ideias e crenças, a proteção da lei e o acesso à justiça, a livre associação e participação, a cidadania do lado das pessoas e do lado da organização social, a soberania popular, o primado da lei, a separação e interdependência dos poderes, as eleições livres e justas, a transitoriedade das funções políticas, a imprensa livre e a administração da justiça representam as condições mínimas para que a sociedade seja forte e o Estado seja de direito".

"E todos hão de ser harmoniosamente considerados indivisíveis, como são", reforçou.

Depois, Augusto Santos Silva falou do combate de Mário Soares pela democracia, como "expressão da vontade popular através de eleições periódicas, livres e justas, o escrutínio da governação pelo parlamento, a imprensa e a sociedade civil", que implica "a possibilidade de afastar governos por meios pacíficos, é o respeito pelo pluralismo e a proteção das minorias".

"Fundar a democracia exigiu lutar contra a ditadura. Promover a cooperação entre os povos que falam língua portuguesa exigiu romper com o passado colonial e a tentação neocolonial. Defender a liberdade exige recusar a intolerância e a exclusão. Construir a Europa exige afrontar a ascensão dos nacionalismos e dos populismos e bater-se contra o ódio. Ser patriota exige afirmar o direito inalienável a sermos nós a decidir o nosso destino, em conformidade com a Constituição e as nossas leis", afirmou.

Segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros, o antigo Presidente da República ensinou que a democracia "exige empenhamento permanente com os valores e ação constante em seu favor" e que "é sobre o pluralismo e a diversidade que se erguem a democracia, a identidade e a unidade nacional".

"Que a liberdade é, em si mesma, um valor primeiro, o que confere pleno sentido à igualdade e à fraternidade. A liberdade de ser, de pensar, falar e agir, a liberdade de expressão, reunião e associação, a liberdade religiosa, a liberdade de imprensa, a liberdade sindical, a liberdade tolerante, o direito à dissidência e a rebeldia contra as ortodoxias, os donos da verdade e as polícias do pensamento. A liberdade de ir contra a corrente e ser incómodo. Em suma, sem reservas, nem fingimentos, a liberdade", acrescentou.

Augusto Santos Silva agradeceu também ao fundador e primeiro líder do PS por ter mostrado que "a política é uma nobre e imprescindível função pública" e que "a Europa é o presente e o destino de Portugal".

E que "para desenvolver Portugal é preciso conhecer Portugal e os seus portugueses, estudar a sua história, cultivar a sua literatura, acarinhar os seus artistas, calcorrear o território e conviver com as pessoas, situar Portugal na Europa e no mundo e não temer abrir Portugal ao mundo - pelo contrário, combater o isolacionismo e o obscurantismo", completou.

"É preciso amar o povo e fazer da melhoria da sua condição o compromisso de todos os dias. Isto nos ensinou Mário Soares, e por isso lhe devemos tanto. Do fundo do coração, obrigado, Mário Soares", concluiu Santos Silva.

Mário Soares morreu no sábado, aos 92 anos, no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, e o Governo português decretou três dias de luto nacional, que terminam hoje.

As cerimónias fúnebres de Estado começaram na segunda-feira, com o corpo em câmara ardente, no Mosteiro dos Jerónimos, uma sessão solene nos claustros manuelinos com a presença de altas figuras nacionais e estrangeiras novo cortejo até ao Cemitério dos Prazeres, na terça-feira.

Nascido em 07 de dezembro de 1924, em Lisboa, Mário Alberto Nobre Lopes Soares, advogado, combateu a ditadura do Estado Novo e foi fundador e primeiro líder do PS.

Após a revolução do 25 de Abril de 1974, regressou do exílio em França e foi ministro dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro entre 1976 e 1978 e entre 1983 e 1985, tendo pedido a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1977, e assinado o respetivo tratado, em 1985.

Em 1986, ganhou as eleições presidenciais e foi Presidente da República durante dois mandatos, até 1996.