“Saramago – Os 20 anos da atribuição do Prémio Nobel” foi o mote para a mesa que hoje juntou Alice Vieira e Francisco José Viegas no Folio- Festival Literário Internacional de Óbidos a “contar histórias” sobre o dia em que, na feira do Livro de Frankfurt (Alemanha) o escritor soube que tinha sido o escolhido.

Entre os editores, escritores e comitiva do pavilhão de Portugal na feira “ninguém estava muito crente” de que o galardão, que no ano anterior se esperava que tivesse sido entregue a José Saramago, viesse a ser entregue nesse ano.

Mas a 08 de outubro de 1998, dia em que, como lembrou Alice Vieira, “ele [Saramago] estava muito maldisposto porque tinha dormido mal”, foi exatamente isso que aconteceu.

O escritor,” irritado com os edredões alemães, que eram muito curtos e lhe deixavam os pés de fora”, soube da notícia já no aeroporto, onde apanhava o avião para regressar a casa em Lanzarote (Espanha) lembrou a escritora.

Regressou à feira, onde Francisco José Viegas, munido de “um velho Nokia 3110” fazia diretos para uma rádio em Portugal, viu chegar o escritor que “pareceu ainda mais alto” e lhe fez a inevitável pergunta:” como se sente?”

Saramago respondeu, “frases de circunstância” e Francisco José Viegas, 20 anos depois, arrancou gargalhadas a muitas dezenas de pessoas que hoje lotaram a Casa José Saramago para o ouvir ironizar sobre a pergunta “ridícula” que, ainda assim, “não foi a pior”, já que horas depois, numa conferência de imprensa a única jornalista portuguesa com direito a questionar o Nobel perguntou “o que vai fazer ao dinheiro?”.

Saramago nunca contou, e por várias vezes disse “não me perguntem o que vou fazer ao dinheiro, fui eu que o ganhei”, lembrou Alice Vieira.

O Nobel, também “foi ele que o ganhou, não o país”, mas a verdade é que em Frankfurt, nunca “o feio pavilhão de Portugal foi tão visitado pelas comitivas de outros países”, incluindo “os editores dos Estado Unidos, que nunca saíam do seu espaço”, lembrou Francisco José Viegas.

O escritor “era muito querido entre os seus editores estrangeiros”, disse, lembrando a editora americana que fez questão de conhecer o José Saramago por ter lido “e adorado” o Memorial do Convento.

“Ele não falava inglês, ela não falava português e, por momentos, fiz de tradutor”, contou. Mas, quando se afastou, acrescentou, “ficaram os dois, cada um a falar na sua língua, a gesticular, e a entenderem-se, porque Saramago gerava essa empatia”.

Era assim o Nobel nas memórias dos dois escritores que hoje lembraram o homem que “tinha aquela carantonha, mas depois era desarmante”.

“Um grande de Espanha”, afirmou Francisco José Viegas, dizendo que em Lanzarote, onde viveu com Pilar Del Rio, “toda a gente sabia que o seu cão se chamava Camões ou o que estava escrito à porta de casa”.

Quer para a Alice Vieira quer para Francisco José Viegas, “o prémio [Nobel] foi importante para o reconhecimento” do escritor e do país.

E foi também importante para Saramago que, “já com alguma idade se sentiu “recompensado” pelo seu percurso e não escondeu “a vaidade e orgulho” no Prémio Nobel, afirmou Francisco José Viegas.

Certamente com conhecimento de causa já que, na véspera de receber o prémio em Estocolmo, num jantar oficial, “não pôde entrar com a sua capa alentejana” e entregou-a a Francisco José Viegas, que se encontrava “cá fora, entre dezenas de jornalistas” que cobriam o evento.

“Durante três horas vesti a capa de Saramago”, disse hoje ao público do Folio, com quem, durante uma hora partilhou memórias de entrevistas, conversas e momentos passados com José Saramago, o único dos laureados com o prémio Nobel que no tal jantar, enquanto tocava a orquestra, não adotou a postura de “ter engolido um garfo” e, ao invés, dedilhou o compasso na mesa “a acompanhar a música”.

Na mesa de Francisco José Viegas e Alice vieira, ao contrário de todas as outras do Folio, as palavras hoje foram acompanhadas com vinho em vez de água, e a conversa, a última do festival sobre a atribuição do prémio, acabou com “um brinde ao Saramago”.

Dividido em cinco capítulos (Autores, Folia, Educa, Ilustra e Boémia), O Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos decorre na vila até ao dia 07 de outubro.

O evento proporciona 831 horas de programação que envolverão 554 participantes diretos, entre autores, pensadores, artistas e criativos que integram as 26 mesas de escritores, 25 concertos e 13 exposições, num programa com mais de 185 atividades.