“29% da população experiencia problemas de Saúde Psicológica em algum momento das suas vidas. Uma em cada quatro pessoas vive com problemas de Saúde Psicológica”. Os números resultam de uma análise feita pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), divulgada no final de 2022, que acrescenta que “apesar destas dificuldades e problemas de Saúde Psicológica serem frequentes, grande parte das pessoas com problemas de Saúde Psicológica não conseguem aceder aos serviços de Saúde Mental de que necessitam”.
Noutro documento, um relatório divulgado no início de 2023, a OPP destaca que o stress e os problemas de saúde psicológica no trabalho em Portugal tiveram um custo de 5,3 mil milhões de euros, o que representa um aumento de mais de 60% em dois anos o que, para se ter uma ideia, é “o equivalente ao que o governo português gastou em 2021 em medidas para mitigar os impactos da pandemia COVID-19”, escreve a Ordem dos Psicólogos.
É neste contexto que as novas tecnologias, nomeadamente as aplicações móveis, têm ganho particular relevância nos últimos anos. Cada vez mais pessoas acedem a partir do seu smartphone a apps de saúde mental que surgem como uma potencial solução para ultrapassar algumas barreiras de acessibilidade e facilitar a promoção da saúde psicológica e do bem-estar.
A procura por estas apps de saúde mental representa um mercado que tem aumentado exponencialmente. Em 2023, o setor foi avaliado em 6,1 mil milhões de dólares (cerca de 5,6 mil milhões de euros) e prevê-se que chegue aos 26,5 mil milhões de dólares (cerca de 24,3 mil milhões de euros) em 2032. Mas será que estas ferramentas são realmente eficazes? Até certo ponto, sim.
Há entre 10 mil e 20 mil apps de saúde mental disponíveis
De acordo com a análise da Ordem dos Psicólogos, as apps de saúde mental “reúnem algumas evidências de eficácia”. O documento indica que os dados mais sólidos dizem respeito à eficácia das apps de saúde mental na gestão de problemas de saúde psicológica relacionados com a depressão e a ansiedade. “As apps em Saúde Mental obtêm resultados moderados na redução de sintomas de depressão e de ansiedade, quando comparados com grupos de controlo, e especialmente quando seguem princípios da Ciência Psicológica”.
Ainda assim, a Ordem alerta que para outras questões de saúde psicológica “ainda não estão reunidos indícios suficientemente fortes da eficácia das intervenções baseadas em apps de saúde mental”. Por exemplo, estas plataformas podem reduzir, ainda que com um efeito pequeno, a ideação suicida, mas os resultados são ainda pouco claros, desconhecendo-se qual o impacto das apps nos planos de suicídio e nas tentativas de suicídio. Mais: nos casos de consumo problemático de álcool, outro exemplo, as evidências são inconclusivas e ainda há poucos estudos sobre o assunto.
Segundo a análise da OPP, estima-se que existam entre 10 mil e 20 mil apps de saúde mental disponíveis, sendo que apenas 3-4% são baseadas em evidências científicas. Apesar da diversidade, Carolina Amorim, ex-CEO da EMOTAI, uma startup portuguesa que quer ajudar a reduzir o burnout dos trabalhadores, conta ao The Next Big Idea que “as pessoas têm tendência a colocar as soluções de saúde mental todas num único saco e vão fornecer soluções que estão mais de wellness para problemas de depressão ou de burnout”. Na prática, esta abordagem generalista pode comprometer a eficácia das intervenções.
Hoje na pele de investidora associada na Faber, uma sociedade de capital de risco, Carolina Amorim explica que “existem ferramentas menos específicas, como o Headspace ou o Calm, que fornecem treinos para as pessoas melhorarem o seu bem-estar geral. E depois há aplicações mais específicas para diferentes tipos de problemas, como o burnout, ou para a conexão com psicólogos”.
Assim, a responsável argumenta que “se for indicada uma solução que realmente combate os problemas que as pessoas estão a ter, a eficácia é altíssima”. Por oposição, se forem oferecidas soluções genéricas para problemas específicos, a eficácia será “baixíssima”.
A necessidade de promoção nas empresas e o receio pela privacidade
Um desafio apontado por Carolina Amorim é a falta de promoção adequada destas soluções dentro das empresas. É preciso “oferecer workshops, tentar fazer um dia dedicado a essas soluções, para as pessoas que estão dentro da empresa saberem que tem isso como uma opção. Essa promoção tem de ser feita ao longo do ano, não pode ser só durante o dia da saúde mental, ou durante o mês da saúde mental”. Esta falha na comunicação e na implementação pode resultar em baixa adesão e, consequentemente, em benefícios limitados para os trabalhadores.
Outra questão prende-se com a privacidade dos dados dos utilizadores deste tipo de aplicações. A antiga CEO da Emotai reconhece que existe o receio de que as informações pessoais que são transmitidas às plataformas pelos trabalhadores possam ser acedidas pelas próprias empresas. Carolina Amorim sugere, por isso, uma maior transparência por parte das aplicações sobre o tipo de informações que são partilhadas com as empresas.
Também a Ordem dos Psicólogos indica na sua análise que “são inseridas nas apps informações muito sensíveis cuja segurança nem sempre é salvaguardada” e que as preocupações com a privacidade dos dados são válidas, em especial para as apps de saúde mental disponíveis nas lojas de app públicas”.
Exemplo disso é a BetterHelp, uma das plataformas de saúde mental mais conhecidas, que foi multada em 7,8 milhões de dólares (cerca de 7,1 milhões de euros) pelas autoridades dos Estados Unidos, depois de se ter descoberto que a empresa enganou os utilizadores e partilhou dados sensíveis com terceiros para fins publicitários, apesar de ter prometido manter essa informação privada. De acordo com a OPP, muitas outras apps de saúde mental transmitem dados a entidades comerciais terceiras sem nunca revelar essas práticas nas suas políticas de privacidade
O engagement dos utilizadores com as apps de saúde mental é também um entrave ao sucesso destas ferramentas. Os estudos citados pela OPP mostram que o “engagement médio com apps de Saúde, incluindo depressão, é de apenas 5,5 dias”, e apenas 4% dos utilizadores que fizeram download de uma app de saúde mental a voltaram a abrir passados 15 dias”.
Como avaliar o impacto destas ferramentas?
Para avaliar o impacto destas iniciativas, Carolina Amorim sugere a utilização de questionários gratuitos sobre o burnout e a saúde mental em geral. “É importante que as empresas avaliem como é que as pessoas estavam no início e depois de aplicarem esta solução e que tentem perceber realmente onde é que falhou. É a própria solução ou é a promoção destas soluções dentro da empresa que não está a funcionar?”
A OPP acrescenta que, além da eficácia, é crucial considerar a custo-efetividade destas aplicações. Atualmente, ainda não existem dados conclusivos sobre este aspeto, o que dificulta a tomada de decisão por parte das empresas sobre o investimento nestas soluções. Sugere ainda que as apps de saúde mental podem ter um papel como intervenção complementar ou com orientação de um profissional de saúde. No entanto, a Ordem dos Psicólogos sublinha a necessidade de mais investigação para determinar a melhor forma de utilizar estas apps.
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