Em Portugal Continental, os problemas da seca continuam, tendo-se agravado no mês de abril, com 89% do território continental em situação de seca, 34% da qual severa e extrema, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
Assim sendo, todos os mecanismos para poupar ou aproveitar águas são úteis. Foi seguindo este mote que em Gaia, um projeto piloto da Águas de Gaia pretende reutilizar a água recolhida pelas caleiras. Esta água é drenada e armazenada por um equipamento, "no fundo um depósito com um sistema elevatório que faz com que a água recolhida volte a entrar na canalização, de forma independente, apenas para os sanitários", explicou Miguel Lemos, presidente do Conselho de Administração da Águas de Gaia ao SAPO24.
Na Escola da Bandeira de Gaia existe uma redução de consumo entre "30 a 40 metros cúbicos". Da mesma maneira, existe um segundo equipamento presente no Centro de Educação Ambiental dos Rios e Ribeiras de Gaia, para o mesmo efeito. Este é um projeto desenvolvido "internamente" pela Águas de Gaia, com financiamento do Fundo Ambiental, Miguel Lemos espera que num futuro próximo haja a instalação de equipamentos em mais cinco escolas.
"Estamos agora em conversações com a direção educacional da Câmara Municipal para percebermos as próximas cinco escolas a receber este equipamento. Mas, e embora não esteja a 100%, tínhamos pensado numa primeira fase instalar na Escola EB2 de Canelas, na Escola dos Carvalhos e na Escola de Figueredo", confirmou ao SAPO24 Miguel Lemos.
Apesar de para já este sistema ser exclusivo para os sanitários, é um sistema que desenvolvido pode ser "ligado a sistemas de regas, para utilização em áreas jardinadas", explicou Miguel Lemos.
Para além da reutilização de água, a Águas de Gaia, em paralelo, também tem desenvolvido atividades de educação ambiental para "consciencializar os mais novos para a importância dos recursos hídricos". Este programa contém assim estas duas componentes, "importantes e que se completam uma à outra", garantiu Miguel Lemos.
Um pouco mais a sul, em Arroios, no coração de Lisboa. O programa "Arroios Verde", da Junta de Freguesia de Arroios, pretende tornar a freguesia mais verde e sustentável. Em relação à reutilização de água das chuvas, a freguesia implementou o Mobiliário Urbano Hídrico, que consiste em bancos de jardins e "cogumelos". O responsável pelos espaços públicos da Junta de Freguesia de Arroios, Rui Vilela, explicou ao SAPO24 em que consiste este mobiliário.
"São cerca de dez bancos de jardim, onde as pessoas se podem sentar, mas são 'paralelepípedos' que têm no tampo uma pequena inclinação, com uma ranhura, para onde escorre a água das chuvas, sendo o banco em si mesmo o reservatório. Cada banco tem capacidade para acumular 250 litros, sendo um total de 2500 litros (com os dez bancos)", começou por dizer Rui Vilela.
"Em complemento a estes bancos, temos dois equipamentos que apelidamos, carinhosamente, de 'cogumelos', com capacidade para 700 litros. Este equipamento é constituído por uma estrutura cilíndrica, com cerca de dois metros de altura, onde na parte de cima tem uma espécie de guarda chuva partido, inclinado para que a água da chuva escorra e fique armazenada no cilindro", especificou Rui Vilela.
Numa "boa chuvada", Rui Vilela explica que o conjunto destes equipamentos é capaz de armazenar cerca de 3900 litros de água. Depois de cheios, há o recolhimento da água armazenada nos recipientes, que depois é "armazenada em dois reservatórios, assim permitindo a reserva para os momentos de seca. O objetivo principal para esta recolha é, assumidamente, a rega de árvores juvenis (até cinco anos de idade) na freguesia".
Rui Vilela explicou ao SAPO24 que o armazenamento desta quantidade de água dá para utilizar durante cerca de "um mês, mês e meio", com a rega de 50 árvores juvenis. Mas, a porta não está fechada para que esta água também possa ser reutilizada para "limpeza de parques, jardins, bancos de jardins ou até alguns pavimentos".
Ente Lisboa e Gaia, Coimbra, onde se encontra o 'FiberLoop', um projeto que tem raízes no acelerador de partículas da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN). O objetivo é a aplicação da tecnologia no combate às fugas de água na rede.
O projeto teve o seu início quando Tiago Neves, formado em Engenharia Física na Universidade de Coimbra, foi para o CERN, na Suíça, onde realizou um doutoramento, com a proposta de criar uma tecnologia baseada em fibra ótica para deteção de temperatura e humidade no LHC (o maior acelerador de partículas do mundo).
“Há um departamento [do CERN] de transferência de tecnologia que ajuda pequenas ideias desenvolvidas dentro do CERN a criar um negócio. E surgiu a ideia de aplicar a tecnologia na deteção de fugas de água”, afirmou à agência Lusa o engenheiro físico, que criou em 2021 a empresa Fibersight, sediada em Coimbra, a sua cidade.
Em declarações à Lusa, Tiago Neves explicou que “quando há uma fuga de água na rede, ela começa muito pequenina, como uma torneira a pingar”, que pode ficar por detetar durante vários anos, até gerar uma rutura maior, altura em que os “custos associados à reparação já são muito elevados. Em média, na Europa, perde-se 30% da água injetada na rede. Portugal desperdiça todos os anos várias barragens do Alqueva em fugas. São 100 mil milhões de litros de água”, realçou.
Com a aplicação de fibra ótica, é possível medir com precisão e identificar antecipadamente fugas, que podem ficar por detetar “durante 10, 20 ou 30 anos”. Assim sendo, para o responsável do projeto a tecnologia poderá aproveitar a instalação de tubagens novas, mas também pode recorrer a uma toupeira mecânica, tecnologia já muito utilizada pelas empresas de telecomunicações, para instalar fibra em zonas da rede que se considerem problemáticas.
“Para obras novas, os custos são desprezíveis face ao investimento global da obra. Quando começarmos a produzir fibra em escala, ficará a menos de um euro por metro”, realçou.
Em 2024, Tiago Neves espera que o projeto conheça o seu primeiro ano de crescimento, com captação de investimento externo, para em 2025 ter o produto pronto para ser lançado no mercado: "2025 acaba por ser importante porque coincide até com algumas datas impostas pela Comissão Europeia em que os países são obrigados a reduzir as fugas de água”, notou, vincando que o projeto poderá ter facilmente aplicação em toda a Europa.
Importa lembrar que, de acordo com o último boletim do IPMA, verificou-se no fim de abril um aumento significativo da área e da intensidade em seca meteorológica, destacando-se a região Nordeste na classe de seca moderada e na região sul os distritos de Setúbal, Évora, Beja e Faro nas classes de seca severa a extrema. No fim do mês passado, 33,2% do território estava em seca moderada, 22% em seca fraca, 19,9% em seca severa, 14,1% em seca extrema e 10,8% normal. Em abril de 2022 , todo o território de Portugal continental já estava em situação de seca, a maior parte em seca moderada (87,2%).
*com Lusa
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