Fecharam. Reabriram. Inovaram e adaptaram-se. Mas não sabem o que lhes espera. Um virou-se para o take away, serviço que mantém. Outro reduziu a equipa e começou a vender pão para fazer face a custos fixos de um restaurante aberto no final de 2019. E houve quem enfrentasse, de novo, o fecho, temporário, de dois espaços gastronómicos.
Três histórias, contadas na primeira pessoa, por três cozinheiros (ou chefs). André Lança Cordeiro (“Essencial”) Alexandre Silva (“Loco”, uma estrela Michelin, e “Fogo”) e João Rodrigues (“Feitoria”, uma estrela Michelin).
À frente de restaurantes, todos em Lisboa, todos de um patamar superior, sentaram-se, fisicamente, lado a lado, no Congresso dos Cozinheiros, evento, todo ele, online.
Conversaram sobre o Estado de Emergência. O primeiro e a nova declaração. Recordaram os planos de negócios que não foram pensados para a situação em que vivem. Falaram sobre horários, a diminuição das receitas e as dificuldades em pagar despesas. Recordaram investimentos feitos para manter empresas e empregos, desvendaram ideias e, por fim, anteciparam caminhos.
Uma conversa tendo como pano de fundo um setor da restauração mergulhado numa crise, que pede medidas para fazer face a um ano no qual a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) estima o fecho de 41% das empresas. Um setor que espera por apoios, apoios esses apresentados pelo primeiro-ministro, António Costa.
“Fechar o país, no início, foi um erro. Estamos quatro vezes pior”
O impacto da pandemia nos negócios da restauração serviu de porta de entrada para conversa a três.
João Rodrigues, chef do “Feitoria”, sofreu, a dobrar. Tudo porque o estrelado restaurante está localizado dentro de um hotel (Altis Belém, em Lisboa) e a unidade hoteleira está fechada, até 15 de dezembro. De novo, depois de ter reaberto em pleno verão. “Não tens o core business a funcionar, tudo o resto não funciona. O hotel decidiu fechar e o restaurante fechou”, contou. O outro “Feitoria”, janela gastronómica no Mercado da Ribeira, em Lisboa, sofreu igualmente, por via colateral, com o encerramento, temporário deste mercado virado para o turismo.
Alexandre Silva recordou a primeira medida “nada fácil” tomada no primeiro Estado de Emergência. “Reduzimos 32 colaboradores. É muita gente. Éramos 71”, enumerou. “Tínhamos demasiados recursos para o que estávamos a fazer. Sou cozinheiro, sentimo-nos com uma mesa às costas, sem saber o que fazer”, disparou.
Para o chef do restaurante com estrela Michelin (“Loco”), “fechar o país, no início, foi um erro. Estamos quatro vezes pior”, vincou. “Fez com que os restaurantes recorressem a uma força financeira que possivelmente não sabemos quando e quanto vamos pagar, se vamos conseguirmos ou ter clientes para isso. Se não tivesse fechado, não nos tínhamos endividado”, alertou.
Entregas em casa. O caminho da sobrevivência que ficou
André Lança Cordeiro abraçou o take away. Uma ideia nascida em família, num momento em que estava de portas fechadas. “Na Páscoa, fui desafiado a fazer cabrito e cordeiro para toda a gente. Funcionou”, relembrou. “Funcionou”, insistiu. A aposta, em vigor, “permitiu sobreviver e continuar a trabalhar”.
Tem, no entanto, “regras próprias”, admitiu. “Não tinha estrutura para take away diário. Fazia um menu, sem grandes margens. Entregas só ao sábado. Os pedidos até às quintas-feiras permitem gerir encomendas”. As doses são limitadas em número, entregues antes da abertura e não interferem com o funcionamento do restaurante.
Entregar em casa não foi a via adotada pelos outros dois cozinheiros. João Rodrigues, arrastado pela “dinâmica de grupo” nos hotéis, de portas fechadas, atirou para cima da mesa valores que explicam a decisão tomada. “Os custos energéticos do Altis são cinco mil euros mês. Não há take away que pague”, explicou.
Alexandre Silva ponderou, no início de tudo, essa via. “Tinha stock, mas vendemos tudo e não avancei”, adianta. “Na minha opinião, existem outras formas de contornar. Essa, era tentar seguir a bolha para tentar salvar o restaurante”, frisou.
“Vendemos pão para fora, todos os dias. 10 ou 100, garante que o custo é colmatado”
Nas vésperas da crise sanitária e económica, em dezembro de 2019 abriu o “Fogo”, projetado para o “mercado lá fora”. Em março fechou as portas, tal como todos os outros. “Foi a nossa sorte. Só tenho portugueses como clientes”. Escapou, assim, à dependência do turismo. “Tenho quebra de 35%, mas bem estruturado, consigo o break even”.
Para fazer face às despesas, inovou. “Tínhamos que reduzir o custo semanal (do “Fogo”). Vendemos pão para fora, todos os dias. 10 ou 100, garante que o custo é colmatado”, apontou.
O outro espaço, o “Loco” “sofreu bastante”, assumiu. “Tinha reservas de dois meses. Hoje em dia, começamos a semana com as mesas do dia”, revelou. “Posicionou-se para um cliente que hoje não faz sentido”, admitiu.
À medida que recebe “novas informações”, toma “novas decisões” e “vamos adaptando”, sustentou. Para já, mantém os dois restaurantes abertos. Fechado mesmo só o Mercado Time Out (Mercado da Ribeira), em Lisboa. “Tinha quebras de 96%. É o sítio número um do turismo e só trabalha com turistas”, explicou.
“Penso abrir o “Loco” todos os dias quando a pandemia passar. Até lá, controlar custos e largar a parte emocional que está muito viva (e que faz os restaurantes andarem para a frente) e pensar mais com a parte racional”, revelou.
Com a equipa “reduzida a metade” e com o “mínimo” para trabalhar, André Lança Cordeiro considera, nesta fase, “difícil pensar projetos paralelos”. A cozinha em casa, que já fez, está de fora dos planos.
“Não há luz ao fundo do túnel. É mês a mês”
A redução de horários, então e agora, não escapou às dúvidas e críticas. Para o cozinheiro do Essencial, um restaurante com “duas pessoas na cozinha e uma na sala”, a medida só “piora as coisas". “Abro às 19h00. Agora, tenho pessoas a chegar mais cedo”, declarou. Uma visão partilhada pelo cozinheiro, antigo vencedor do Top Chef (RTP), em 2012, que hoje divide o tempo entre o “Loco” e o “Fogo”.
O novo normal entrou na rotina diária de clientes, empresários da restauração e chefs. “Temos de mostrar aos clientes que estão seguros. Os restaurantes não podem fazer mais nada. Garantir que as pessoas desinfetem as mãos, informar onde estão desinfetantes, limpezas de casa de banho e garantir o distanciamento”, enumerou Alexandre Silva.
“Com estas regras dificilmente vão conseguir sobreviver. Porque os planos de negócios não foram pensados para isto. E das duas uma, ou sabemos quando vai parar e fazemos cálculos, conseguimos ou desistimos já. Ou esquecem estas regras e termos restaurantes cheios, porque temos necessidade de faturar”, alertou. “É muita pressão em cima do governo, clientes e finanças”. Antecipando o tradicional “desenrascar”, disse ser “possível que coisas menos boas possam acontecer”.
João Rodrigues apontou:“Devemos pensar, se conseguimos sobreviver. Estamos em modo de sobrevivência, estamos a agir para sobreviver e temos de pensar nas sequelas”.
As incertezas são muitas. “Se as pessoas vão viajar, se faz sentido o crescimento de camas e oferta gastronómica e se faz falta um grupo influente de gente da restauração. Uma coisa com força e não folclórica”, foram questões que colocou a si mesmo. “As estruturas existem e não dão nada. Não sou sócio (AHRESP), nem vou ser enquanto não zelar pelos meus interesses. Pouco fizeram. E não foi só desde março”, criticou Alexandre Silva.
“Não há luz ao fundo do túnel. É mês a mês, de acordo com inputs, gerir para chegar a uma fase em que passe a haver clientes”, retorqui João Rodrigues.
A falta de capacidade de gestão é uma crítica feita, em jeito de autoanálise por quem gere restaurantes. “Fala-se em gestão, mas sem clientes não há gestão. É um problema global. Não tem a ver com restaurante ser bom ou mal. Não há gente. Não há gente. As pessoas têm medo de sair a rua. Vivemos sem pessoas. E não há pessoas, não há negócios”, constatou João Rodrigues.
“Apoios? Um euro, é bom”
A situação é complicada especialmente para restaurantes “a braços com um patamar de custos bastantes grandes para o nível de receita, hoje, inferior”, elencou o chef do “Feitoria”. “Não há clientes, não há negócios. E passa a ser insustentável manter os restaurantes abertos. Não se pagam os custos”, insistiu.
Para Alexandre Silva, o fecho neste e no próximo fim de semana “é insignificante face ao que perdemos o ano todo”. Embora admita que com a “atual estrutura e clientes” os seus restaurantes possam funcionar “para sempre”, prevê “um problema” quando, “daqui a 12 meses, pagar o financiado” antecipou. “Fazemos contas a curto prazo. Devíamos fazer a longo prazo”, reconheceu.
Em relação às medidas de apoio ao setor anunciadas pelo primeiro-ministro, António Costa e o Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Siza Vieira foi taxativo. “O governo faz o que lhe é permitido. Quem me dera receber mais apoios. Há um interesse e respeito pela restauração. No Conselho de Ministros falam de tudo e da restauração. São 750 mil postos de trabalho diretos e indiretos que existem”, expôs.
André Lança Cordeiro, por sua vez, assume que fará o que puder “para atrair pessoas” ao seu restaurante. “É o que me permite sobreviver e é o que sei fazer”, disse. “Apoios?”, questionou. “Um euro, é bom”, rematou.
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