Vivemos tempos conturbados. Ainda há pouco retomámos o dia-a-dia após uma pandemia que nos mudou a forma de ver o mundo – sendo que ainda não terminou totalmente… - e, ao mesmo tempo, teve início na Europa, uma guerra injusta e ignóbil. Da mesma forma, a nível mundial, passamos por desafios difíceis como a defesa do ambiente, a crise financeira sempre iminente, problemas na justiça social e na igualdade entre pessoas. Faltam muitas situações nesta lista, mas todas são situações de vivência colectiva, negativas nos seus acontecimentos e nas suas consequências, que nos trazem sentimentos desagradáveis sobre o mundo como preocupação excessiva, medo, revolta ou raiva. A saúde mental e psicológica nunca foi tão falada. Isto acontece porque se entende, de forma directa e clara, que os eventos negativos, individuais e colectivos, têm impacto em cada um de nós, provocando sofrimento psicológico e dano nas diversas áreas da nossa vida.

Paralelamente, nas - pouco científicas - redes sociais, nas várias divulgações e publicações dos diversos agentes que criam opinião nos outros, a vida é mais cor-de-rosa. É vendida a ideia de que a felicidade é a chave para anular a dor e acabar com o sofrimento como se de um líquido em frasco se tratasse, pronto a ser tomado. Basta rir, pôr de lado o que possa ser negativo, fazer poses energéticas e tudo ficará bem. Nego completamente esta ideia.

As sensações transmitidas pelas emoções e sentimentos agradáveis são tão importantes como as desagradáveis. Ambas são o conjunto da nossa experiência e funcionam como tal dentro de nós, regulando a nossa experiência que, como todos sabem, não é só feita de coisas boas. Um barco com um só remo anda em círculos, não vai em frente.

Tal como os sintomas físicos que, quando desagradáveis, nos levam a movimentos de mudança, seja a ida ao médico ou à busca de informação sobre o que se passará de errado, os sintomas psicológicos desagradáveis servem para o mesmo efeito, tendo a sua função de ser percebida e aceite para que fiquemos bem connosco, com os outros e com o mundo.

Emoções desagradáveis, como o medo, permitem-nos perceber vários perigos à nossa volta e criar os comportamentos necessários para os contornar como, por exemplo, olhar para ambos os lados antes de atravessar a estrada na passadeira. Ou a experiência de raiva, que nos permite criar limites junto dos outros quando nos sentimos abusados ou para afastar pessoas com quem temos uma relação tóxica. Ou o sentimento de saudade, que nos permite ter memórias de alguém ou algo que se perdeu, permitindo lidar de melhor forma com a dor da perda. Ou mesmo sensações compostas como o stress e a ansiedade, que muitos erradamente chamam de “doenças”, que nos levam a concentrar a nossa experiência em situações de grande pressão com que não estamos a conseguir lidar. Muitos outros exemplos existem, onde emoções e sentimentos que nos trazem sensações desagradáveis são muito úteis para nós, para o nosso desenvolvimento e adaptação saudável.

Sem aceitar estas sensações desagradáveis, não atravessaríamos a estrada ou seríamos atropelados ao fazê-lo, seriamos abusados sem o perceber e não teríamos relações saudáveis, ou seja, estaríamos em sofrimento psicológico constante. As sensações provenientes de emoções e sentimentos desagradáveis só o são assim para nos chamar a atenção para eles. São as situações mais pesadas psicologicamente que as originam e activam em nós processos de adaptação rápidos. São alertas e sinais sonoros psicológicos que nos dirigem para prioridades de adaptação, levando-nos ao bem-estar, mantendo a nossa saúde mental e psicológica em equilíbrio.

Paradoxalmente, aceitar as sensações desagradáveis dirige-nos e orienta-nos para comportamentos de bem-estar que apenas com as sensações agradáveis nunca conseguiríamos fazer. Não podemos lidar com algo triste estando alegres, nem lidar com uma situação de abuso psicológico com empatia. O barco tem de ir em frente. Estar alegre é importante, estar triste também o é.

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Tiago A. G. Fonseca é psicólogo clínico e formador. A sua formação base foi na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, onde tirou o Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde, na área da Psicoterapia Cognitiva-Comportamental e Integrativa. Está a terminar a Pós-Graduação em Psicoterapia, na vertente de adultos, na Associação Portuguesa de Terapias Comportamental, Cognitiva e Integrativa (APTCCI). Tem formação e interesse noutras áreas, como as emoções e os esquemas, o trauma, o luto, as situações de crise e catástrofe e o stress pós-traumático. Procura estar actualizado na prática baseada na evidência clínica e científica. Adora ler, escrever e tudo o que se relaciona com fantasia e ficção científica. Exerce funções de psicoterapeuta na Psinove em contexto individual com adultos, sendo também formador em várias áreas. É membro da Assembleia de Representantes da Ordem dos Psicólogos Portugueses.