As vagas para quatro a seis astronautas permanentes e para 20 astronautas de reserva, incluindo pela primeira vez um astronauta com alguma deficiência física, mantêm-se abertas até 28 de maio.
Desde 2008 que a ESA, da qual Portugal é Estado-Membro desde 2000, não recrutava astronautas. Agora, fá-lo a pensar em futuras missões à Lua ou mesmo a Marte e tendo em vista aumentar o número de mulheres no espaço.
No anterior recrutamento, que começou em 2008 e terminou em 2009, a ESA selecionou seis astronautas, incluindo uma mulher, a italiana Samantha Cristoforetti, a primeira pessoa a fazer uma café expresso na Estação Espacial Internacional, na órbita da Terra.
A este recrutamento apresentaram-se 8.413 candidatos, dos quais pouco mais de 200 portugueses.
À Lusa, a agência espacial portuguesa Portugal Space indicou, sem quantificar, ter sido "contactada por diversas pessoas interessadas em concorrer" ao novo recrutamento.
"Recebemos essencialmente pedidos de informação sobre as várias fases do processo, na maioria relacionados com os exames médicos que são um dos aspetos fulcrais de qualquer candidatura. Procuramos esclarecer as dúvidas que nos chegam, porque na verdade é o único contributo que podemos dar", adiantou, frisando que "o processo de recrutamento de astronautas é um procedimento internacional conduzido centralmente" pela ESA e "no qual os Estados-Membros não têm qualquer tipo de intervenção, exceto na publicitação desta oportunidade".
Depois de validadas as candidaturas apresentadas, segue-se uma seleção dos candidatos em várias etapas - que incluem testes técnicos, cognitivos, de coordenação motora e de personalidade, exercícios individuais e em grupo, provas médicas e entrevistas.
Filipe Lisboa "cresceu com o sonho" de observar o espaço, agora candidata-se a astronauta
À Lusa, Filipe Lisboa, de 36 anos, disse que, sendo português, a sua candidatura serve para "motivar os jovens a tornarem-se mais interessados" sobre assuntos como o espaço e a serem "melhores alunos".
Mas, antes de mais, o que o motiva é a "paixão pelo espaço".
"Cresci com o sonho de observar o espaço", frisa o investigador, formado em física, na especialidade de astronomia e astrofísica.
Atualmente, o doutorando em alterações climáticas trabalha com imagens de satélite que lhe permitem monitorizar os efeitos do aquecimento global nos oceanos.
A ESA não é um território desconhecido. O investigador, que tem um mestrado em planeamento de missões com satélites em órbita, já trabalhou no Centro de Observação da Terra da agência espacial em Frascati, em Itália.
Filipe Lisboa candidata-se a astronauta da ESA porque também considera "extremamente interessante a ciência que se faz" quando se vai e fica no espaço, na Estação Espacial Internacional, a "morada" dos astronautas.
Parte para um novo desafio ciente de que, quanto mais se sabe sobre o Universo, mais importante se torna a necessidade de "preservar a vida na Terra, que é única" e ao mesmo tempo frágil, assinala.
Pela primeira vez será selecionado um astronauta com alguma deficiência física
Os "eleitos" serão anunciados em outubro de 2022 se a pandemia da covid-19 não perturbar o processo, que implica diversas deslocações ao estrangeiro para a prestação de provas.
"Temos de ser honestos, esperamos que apareçam milhares de pessoas. As hipóteses de sucesso são baixas", admitiu Samantha Cristoforetti, durante a apresentação da nova campanha de recrutamento de astronautas da ESA, em fevereiro.
Para concorrer, um candidato tem de reunir vários requisitos mínimos, como ser cidadão de um dos Estados-Membros ou Estados Associados da ESA, ter pelo menos um mestrado e experiência profissional de três anos nas áreas das ciências naturais, medicina, engenharia, matemática ou ciências computacionais, ser fluente em inglês e conhecer outras línguas não nativas.
Mas há mais: ter forte motivação, capacidade de enfrentar horários irregulares de trabalho, frequentes viagens e longas ausências de casa, da família e da vida social habitual, ter calma sob pressão, vontade para participar em expriências científicas e flexibilidade para trabalhar num local diferente (dentro e fora da Europa).
O candidato com algum grau de deficiência física pode ser admitido com uma altura inferior a 1,30 metros, uma ou duas próteses abaixo do joelho ou ao nível do tornozelo e dismetria (diferença de comprimento entre pernas).
Por último, e não menos importante, é necessário submeter uma carta de motivação e um currículo em inglês e um certificado médico europeu emitido por um examinador médico da aviação, o equivalente ao que é exigido a um piloto de um voo particular.
Para os candidatos que usam por exemplo uma prótese nos membros inferiores, o certificado exigido é substituído por uma declaração médica a atestar, que se não fosse devido à deficiência de que são portadores, estariam em conformidade com os requisitos médicos pedidos a um piloto privado.
Há um médico português na seleção dos candidatos
O médico Pedro Caetano, que adquiriu a competência como examinador pela Autoridade Nacional de Aviação Civil e pela Agência Europeia para a Segurança da Aviação, disse à Lusa que já avaliou vários candidatos, tanto homens como mulheres. Nem todos ficaram aptos nos exames médicos, mas o saldo é, em geral, positivo.
Os exames consistem, na prática, num "check-up" médico completo, que atesta que a pessoa é saudável e inclui análises ao sangue e à urina, eletrocardiograma, audiograma, rastreio oftalmológico e avaliação psiquiátrica, entre outros, enumerou.
No fim, após uma consulta, o médico declara o candidato apto, inapto ou apto com limitações.
O uso de óculos de "correção visual" não é um fator impeditivo para o candidato ser declarado como apto, sublinha Pedro Caetano, com formação técnica na ESA e na congénere norte-americana NASA, mas vai constar como uma limitação no certificado médico, tal como o uso de uma prótese auditiva.
Já uma doença de alto risco como o tromboembolismo é considerada um fator de inaptidão.
Ter o certificado médico de aptidão de piloto privado pressupõe que a possibilidade de ocorrer uma doença ou uma incapacidade súbita em trabalho de voo "não pode ser superior a um por cento" por ano, assinalou Pedro Caetano, que coordena a Unidade de Medicina Aeronáutica do Instituto CUF Porto.
O médico frequentou em 2019 um curso de formação em medicina espacial no Centro Europeu de Astronautas da ESA, em Colónia, na Alemanha, onde se treinam os astronautas para missões na Estação Espacial Internacional e onde teve "a oportunidade de assistir ao desenhar do processo de recrutamento que vai agora iniciar-se".
"Por isso, estou muito por dentro dos critérios exigidos", acentuou Pedro Caetano, acrescentando que, numa fase mais avançada, após a aprovação nos testes psicológicos, profissionais e psicotécnicos, os candidatos "serão novamente submetidos a provas médicas", mas "mais exigentes e com um nível de complexidade superior". Nestas provas, o médico português já não tem intervenção.
Não sendo a idade um entrave para um candidato, a ESA vê-se, no entanto, obrigada a fixar o limite nos 50 anos para que cada astronauta recrutado possa cumprir pelos menos duas missões antes da reforma.
Fundada em 1975, a ESA promoveu a sua primeira campanha de recrutamento de astronautas em 1978, com a seleção dos três primeiros astronautas. Depois disso, realizaram-se mais três campanhas, a mais recente em 2008.
O novo processo de recrutamento que hoje se inicia prevê a seleção de quatro a seis pessoas para a equipa permanente de astronautas da agência e um máximo de 20 pessoas para fazerem parte de uma reserva, incluindo um 'parastronauta'.
Com o programa 'Parastronauta', a ESA pretende estudar as condições e tecnologias que garantem missões seguras também a pessoas com deficiência.
Aos quatro a seis candidatos recrutados, que ingressam na ESA como astronautas de carreira, será proposto um contrato de trabalho com a duração inicial de quatro anos.
Pela primeira vez, a ESA vai estabelecer uma reserva de astronautas, composta por candidatos que não foram recrutados mas que foram igualmente bem-sucedidos em todo o processo de seleção. Apesar de não terem um contrato de trabalho com a ESA, podem ser convocados para missões espaciais específicas, pelo que mantêm um certificado médico anual e beneficiam de treinos sobre os programas da agência.
Atualmente, o corpo ativo de astronautas da ESA é formado por sete astronautas - de Itália (2), Alemanha (2), Reino Unido (1), Dinamarca (1) e França (1).
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