Os alunos carenciados continuam a ter mais dificuldades em concluir um ciclo de ensino sem reprovar, mas o impacto da pobreza no sucesso escolar é cada vez menor e há escolas que conseguem contrariar as baixas expectativas.

Do 1.º ao secundário, o cenário repete-se e, em todos os ciclos de ensino, os estudantes beneficiários de ação social escolar (ASE) ficam atrás da média nacional em termos de sucesso escolar, mas a diferença é cada vez mais pequena.

As conclusões resultam de uma análise feita pela Lusa aos dados divulgados hoje pelo Ministério da Educação referentes ao indicador de equidade, que acompanha os alunos carenciados durante cada ciclo no que respeita às taxas de conclusão no tempo esperado.

À exceção do último nível do ensino obrigatório, mais de 90% dos alunos que concluíram o ciclo no ano letivo 2020/2021 fizeram-no sem chumbar e, apesar de os dados confirmarem que o feito é mais difícil para um aluno carenciado, as diferenças não vão além dos cinco pontos percentuais, no 3.º ciclo. No 1.º ciclo, a diferença foi de quatro pontos, e de apenas um ponto no 2.º ciclo.

O sucesso escolar é mais baixo no ensino secundário, mas as dificuldades são maiores para a generalidade dos alunos e não apenas para aqueles com ASE. A média nacional de conclusões no tempo esperado foi 77% e se limitarmos aos estudantes carenciados, esse número baixa para apenas 72%.

Enquanto a pobreza parece ditar, cada vez menos, o insucesso escolar dos alunos, há várias escolas em que as crianças e jovens mais carenciados conseguem mesmo contrariar e superar as expectativas.

Essas expectativas são representadas pela média nacional dos alunos com um perfil semelhante à entrada de cada ciclo ou, no caso do secundário, a média dos alunos que, no final do 9.º ano, demonstraram um nível escolar idêntico ao dos alunos da região e frequentavam escolas com uma percentagem semelhante de alunos com apoio ASE.

Logo no 1.º ciclo, 342 das 617 escolas com dados disponíveis conseguiram que os seus alunos superassem a média nacional, registando níveis positivos de equidade. Em Vila Real, o agrupamento de escolas Miguel Torga conseguiu o melhor resultado a nível nacional, uma vez que todos os alunos com ASE concluíram os quatro anos sem chumbar, comparando com a média nacional de 79%.

Com apenas dois anos de escolaridade, é no 2.º ciclo que se regista uma maior percentagem de escolas com níveis positivos de equidade (60%) e é também aqui que a distância entre as melhores e piores escolas é mais curta.

No 2.º ciclo, este ‘ranking’ é encabeçado pelo agrupamento de escolas Abade de Baçal, Bragança, onde todos os alunos com ASE concluíram no tempo esperado, face à média comparável de 89%. Com menos 48 pontos de equidade, apenas 56% dos alunos do agrupamento n.º 1 de Beja conseguiu o mesmo feito, quando a média nacional era 93%.

Por outro lado, as divergências entre o primeiro e último lugar são maiores no ensino secundário, mas foi também no último ciclo do ensino obrigatório que se registou o mais elevado nível de equidade (31 pontos). No agrupamento Frei Heitor Pinto, Covilhã, 96% dos alunos com ASE chegaram ao final do 12.º ano sem chumbar, muito acima da média comparável de 65%.

A diferença desta escola para o agrupamento n.º 1 de Beja foi de 69 pontos percentuais e, com uma equidade negativa de 38 pontos, só 20% dos alunos carenciados daquele agrupamento concluíram o secundário no tempo esperado.

Entre os quatro ciclos, o nível mais baixo de equidade regista-se, porém, no 3.º ciclo: entre os 20 alunos com ASE do agrupamento de escolas de Seia, só 40% concluíram no tempo esperado, menos 41 pontos percentuais face à média.

Por regiões, o Norte lidera em termos de equidade, com destaque para as escolas de Tâmega e Sousa, no 1.º e 3.º ciclos, e de Ave, no 2.º ciclo e secundário. Por outro lado, o Baixo Alentejo destaca-se, à semelhança dos anos anteriores, pela negativa, registando os piores resultados em todos os ciclos, à exceção do 2.º. Nesse caso, o último lugar do ‘ranking’ é ocupado pelas escolas do Alentejo Litoral.

Alunos carenciados têm piores resultados académicos

Os alunos mais carenciados têm, em média, resultados académicos muito mais baixos do que os colegas de famílias sem dificuldades económicas, destacando-se pela negativa os casos de Matemática A, Fisico-Quimica ou Biologia e Geologia.

A pobreza continua a ter forte impacto no sucesso académico, segundo os dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) que mostram que a média dos exames nacionais dos alunos carenciados é sempre a mais baixa em relação aos restantes estudantes.

A disciplina que revelou maiores disparidades foi Matemática A: A média dos alunos sem Ação Social Escolar (ASE) foi de 12,4 valores enquanto a dos beneficiários de escalão A foi de 10,6 valores (numa escala da 0 a 20 valores).

A diferença de 1,8 valores a Matemática está próxima da registada a Físico-Química, onde 1,5 valores separam a média dos alunos sem ASE dos mais desfavorecidos, ou a Biologia e Geologia (diferença de 1,3 valores).

Estas três disciplinas são conhecidas por serem as exigidas para entrar nos cursos de Medicina, cuja média de entrada foi a mais alta durante muitos anos.

Mas são também os exames de Biologia e Geologia, Físico-Química e Matemática que abrem a porta para quem quer seguir cursos igualmente difíceis de entrar, como Engenharia Física e Tecnológica, Matemática Aplicada e Computação ou Bioengenharia.

Nesta análise que separa alunos pela sua condição socioeconómica, História A é a disciplina que mais aproxima os jovens: A média nacional dos mais carenciados foi de 12,1 valores enquanto a dos alunos sem ASE foi de 12,5 (0,4 valores de diferença).

No ensino básico, a situação repete-se: Segundo os resultados dos 93 mil estudantes do 9.º ano que realizaram as provas nacionais em 2022, a média dos não beneficiários de ASE foi mais elevada tanto a Matemática como a Português quando comparada com os colegas mais pobres.

Numa escala de zero a cinco valores, a diferença média foi de 0,7 valores a Matemática e de 0,5 a Português, sendo que neste último caso os mais carenciados “chumbaram” e os outros não.

A média a Português dos alunos com Escalão A foi de 2,5 valores, os de Escalão B foi 2,7 e os alunos sem apoio social tiveram uma média de três valores.

Na prova de Matemática a média foi negativa para todos, mas a diferença foi mais notória: Os mais carenciados tiveram dois valores, os com escalão B tiveram 2,3 e os não beneficiários tiveram 2,7.

No mesmo sentido, também é mais fácil encontrar chumbos no final do ano entre os mais pobres, que revelam maiores dificuldades em concluir os ciclos de estudo dentro dos anos previstos.

Tanto no 3.º ciclo como no secundário a diferença da taxa de conclusão no tempo esperado foi de cinco pontos percentuais.

Um em cada 10 alunos do 3.º ciclo (10%) chumbou pelo menos um ano, sendo que entre os mais carenciados o insucesso subiu para 15%.

No secundário, num universo de 60 mil alunos, 23% chumbou pelo menos uma vez ao longo dos três anos, sendo que entre os carenciados a percentagem subiu para 28%.

É entre os alunos do 2.º ciclo que menos se nota o impacto da família e da situação socioeconómica, já que a taxa de sucesso geral foi de 95% e entre os carenciados de 94%.

No 1.º ciclo, num universo de mais de 87 mil alunos, 91% conseguiu terminar os quatro anos no tempo esperado, mas olhando apenas para os alunos com ASE o sucesso desceu quatro pontos percentuais(87%).

No ano letivo de 2020/2021, havia quase 170 mil alunos apoiados com escalão A (17% do total) e outros 145 mil (14,6%) com escalão B: Era no 2º ciclo que estava a maior percentagem de alunos carenciados (41,2%), seguindo-se o 1º ciclo (40%) e só depois o 3º ciclo (37,1%) e o secundário (27,4%).

A situação económica da família e a escolaridade dos pais continuam a ser um fator determinante no sucesso académico dos filhos, uma vez que se pode traduzir em apoio em casa ou capacidade financeira para pagar explicações extra escola.

Muitos alunos carenciados nem sequer tentam candidatar-se ao ensino superior, segundo dados da DGEEC, que mostram que há menos estudantes pobres a fazer exames nacionais desde que estes deixaram de ser obrigatórios para concluir o secundário.

A pandemia de covid-19 trouxe várias mudanças no ensino e uma delas foi o fim da obrigatoriedade de exames nacionais para concluir do ensino secundário: Desde 2020, os exames passaram a ser exigidos apenas aos alunos que pretendem candidatar-se ao ensino superior.

A alteração levou a que menos estudantes realizassem estas provas, em especial os mais carenciados: Apesar de 27,4% dos alunos que frequentavam o secundário em 2021 pertencerem a famílias pobres, apenas 16% de todos os que realizaram exames no ano passado eram beneficiários de Apoio Social Escolar (ASE).