A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) e a Rede de Livrarias Independentes (RELI) foram duas das 40 entidades das artes e da cultura que estiveram a ser ouvidas na Comissão de Cultura e Comunicação, no âmbito de um pedido do grupo parlamentar do PSD, sobre as respostas e medidas destinadas a proteger o setor cultural e criativo, num cenário de paralisação das atividades ditado pelas medidas de combate à propagação da covid-19.
O vice-presidente da APEL, Pedro Sobral, revelou que o setor do livro registou perdas de 26 milhões de euros em 2020 e este ano já vai com perdas da ordem dos 9 milhões de euros.
Por isso, considera que o valor disponibilizado pelo governo “é insuficiente, mais ainda quando outras áreas da tutela receberam outros valores”.
O responsável referia-se aos apoios concedidos pela tutela, de 280 mil euros no início da pandemia e de 600 mil euros disponibilizados no segundo confinamento, reforçados posteriormente com mais 600 mil, para um total de 1,2 milhões de euros.
Lembrando que este é o setor da cultura que “mais emprega em Portugal”, Pedro Sobral apontou a “desproporção, não só do valor em si, como a lentidão na sua aplicação”.
Por isso, à semelhança de todas as outras entidades culturais, também a APEL defende que 2% do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) sejam alocados à Cultura.
“Torna-se absolutamente necessário, não só pelo valor, mas para obrigar a definir caminhos necessários”, defendeu o presidente da APEL, João Alvim.
Quanto a medidas especificas para o setor, Pedro Sobral apontou como fundamentais a declaração formal do livro e das livrarias como bens essenciais (à semelhança do que aconteceu em França), a criação de um cheque livro (como aconteceu em Itália e França), que funcionasse como um incentivo ao consumo, e consequentemente à leitura, num país como uma das mais baixas taxas de leitura e literacia, além de “apoios proporcionais e adequados ao Plano Nacional de Leitura” (PNL).
“Os índices de leitura e literacia nos últimos dez anos estagnaram. Portugal está na cauda da Europa” com a média de compra de 1,5 livro ao ano por cada português, enquanto em Espanha a média é de 4 livros por ano e, em França, anda entre os seis e os sete livros por ano, tendo aumentado durante o confinamento.
“Isto é um problema grave que, a médio e longo prazo, pode trazer falta de criticidade: os livros são o principal mecanismo para desenvolver ‘skills’ em todas as áreas da vida”, frisou Sobral.
A mesma ideia em relação à classificação do livro foi defendida por José Pinho, da RELI, para quem também os livros e as livrarias “têm de ser considerados um bem essencial”.
“O livro e as livrarias têm de ser considerados bens essenciais e não devem voltar a fechar. Há muitas hesitações por parte de quem tem de decidir, que hoje considera essencial e amanhã já não considera, depois volta a considerar. Assim, deixamos de estar sujeitos a estas intermitências dos decisores”, defendeu.
No primeiro confinamento, no ano passado, a ministra da Cultura disse que o livro era um bem essencial e, portanto, as livrarias foram autorizadas a vender ao postigo. Contudo, neste segundo confinamento, decretado no início deste ano, as livrarias foram obrigadas a encerrar totalmente, tendo sido autorizadas a abrir apenas no dia 15 de março, no âmbito das medidas de desconfinamento.
Quanto a apoios financeiros, José Pinho considera que afetar pelo menos 2% do PRR à cultura “é o mínimo que se pode pedir e propor”.
Relativamente a apoios específicos para as livrarias, afirma que não houve, e que os apoios anunciados pelo Ministério da Cultura são uma “falsa questão”: “O que tem acontecido não são subsídios nem apoios a fundo perdido. Não são apoios às livrarias, mas dirigidos ao comércio em geral”.
A RELI defende apoios específicos e avança algumas propostas de medidas setoriais, como a existência de uma livraria em cada concelho e, em concelhos maiores, uma livraria por cada 20 mil ou 30 mil habitantes.
“As livrarias independentes e de proximidade oferecem um conjunto de serviços que outro tipo de lojas, como as lojas ‘online’, são incapazes de oferecer. São um ponto de encontro de autores, com livros e com clientes, são um ponto onde existe aconselhamento, são locais de proximidade e humanização”, afirmou.
Na opinião de José Pinho, os problemas que esta área atravessa são estruturais e tornaram-se mais visíveis com a pandemia.
O responsável referia-se à própria dotação orçamental para o Ministério da Cultura, que “deveria ser aumentada, e nunca aconteceu”.
“No próximo Orçamento do Estado devíamos voltar a este tema: que a dotação do Ministério da Cultura seja duplicada ou triplicada”.
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