Especialistas internacionais ouvidos pela Lusa consideram que o ex-primeiro-ministro português, indicado pelo Conselho de Segurança para próximo secretário-geral das Nações Unidas, decisão que a Assembleia-geral da ONU deverá confirmar na quinta-feira, tem o perfil certo para enfrentar os desafios atuais.
“Guterres já provou ser o líder eloquente, com princípios e credível de que o mundo precisa nestes tempos exigentes", disse Edward Luck, antigo conselheiro do atual secretário-geral, Ban Ki-moon, que se manterá em funções até 31 de dezembro.
Num artigo publicado pelo instituto britânico RUSI, a investigadora Inês Sofia de Oliveira lista seis desafios principais para o próximo secretário-geral das Nações Unidas: o conflito na Síria; a monitorização do nuclear no Irão e a contenção na Coreia do Norte; a melhoria da imagem das forças de manutenção de paz; as tensões Ucrânia-Rússia e Arábia Saudita-Iémen; as mudanças climáticas; e a reforma interna da própria organização.
Destes, a radiodifusora alemã Deutsche Welle elege o conflito na Síria como a herança mais pesada para o próximo líder das Nações Unidas e o maior desafio à segurança e à estabilidade no mundo.
Um artigo de Rinna Kullaa, investigadora na universidade francesa SciencesPo, publicado no portal de notícias Huffington Post, reconhece que “Guterres pode não ser uma mulher de Leste, mas é a pessoa certa para liderar as Nações Unidas” – porque “bem relacionado” com governos, conhecedor do Sistema das Nações Unidas e habituado a trabalhar com a sociedade civil.
Nos 70 anos de história da organização, António Guterres é o primeiro antigo chefe de governo eleito para o cargo, descrito por um seu antecessor como o “trabalho mais impossível do mundo”.
É também o oitavo homem, o que desiludiu dezenas de países e muitas organizações da sociedade civil que reivindicavam ser altura de uma mulher liderar a ONU pela primeira vez.
António Guterres – que chegou a dizer, brincando, que tinha o 'handicap' de não se chamar “Antonova”, para ser mulher e de Leste – não poderá ignorar as questões de género. Vários especialistas, entre os quais a portuguesa Catarina de Albuquerque, já sugeriram que nomeie uma mulher para sua vice.
A jurista e ex-relatora especial das Nações Unidas para o Direito à Água e ao Saneamento considera que o secretário-geral “pode fazer muita coisa", em matéria de diálogo, multilateralismo e "diplomacia de corredores", e espera que Guterres tenha "a coragem de trazer determinados temas para a agenda".
Certo é que, mais uma vez, a reforma interna de uma organização pouco ágil e burocrática estará na agenda – também estava na de Ban Ki-moon, mas com poucos resultados, uma década passada.
Num artigo publicado no The Wall Street Journal, John Bolton, do American Enterprise Institute, ganha o campeonato dos títulos: “A burocracia das Nações Unidas precisa de um patrão, não de um sonhador.” Isto para defender que o mandato de Guterres seria “mais produtivo” se se concentrasse em reformar o “pântano burocrático” em que as Nações Unidas estão atoladas.
A experiência de Guterres à frente do Alto Comissariado para os Refugiados, onde baixou os custos com pessoal de 41% para 22% do orçamento, é vista como um bom indicador para a reforma de que a organização precisa.
Para além disso, a atual crise de refugiados, sem precedentes, contará com a sua larga experiência no terreno.
Ao mesmo tempo, urge reabilitar a imagem das Nações Unidas, cuja reputação tem sido manchada por vários escândalos, destacando-se os abusos sexuais cometidos por capacetes azuis na República Centro-Africana e o surto de cólera atribuído às forças de paz nepalesas mobilizadas para o Haiti.
E fazer tudo isto sem desagradar aos cinco países que continuam a ter poder de veto no seio de uma organização que acolhe 193 Estados com interesses muito diferentes.
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