Em declarações à Lusa à margem de um ato oficial, em Lisboa, Sampaio, Presidente português entre 1996 e 2006, considerou ser essa a razão pela qual as Nações Unidas têm um trabalho “muito difícil” para resolver a crise síria, defendendo que há alternativa à guerra e que tal só pode passar por uma solução político-diplomática.
“O que acho que pode mudar na Síria? Neste momento, confesso que não acho nada. Até porque acho que a situação está a evoluir muito rapidamente, há um realinhamento dos grandes interesses na região, interesses obviamente de salvaguarda do regime sírio”, referiu o antigo Alto Comissário da ONU para o Diálogo de Civilizações.
Para o também presidente da Plataforma Global de Apoio a Estudantes Sírios, o apoio da Rússia ao regime de Damasco tem sido importante para essa salvaguarda dos interesses sírios, numa altura em que a intervenção dos Estados Unidos “está a ser discretamente arredada de qualquer possibilidade de ação”.
Sampaio aludia desta forma à recente transferência da embaixada norte-americana em Israel de Telavive para Jerusalém, o que, no seu entender, “precipita e faz desaparecer as possibilidades que os Estados Unidos eventualmente poderiam ter de se constituírem como “ponte entre os vários interesses”.
“Manifestamente, não o vão ser no imediato mais próximo”, realçou.
“Por outro lado, com a proliferação dos mais diferentes grupos que existem na Síria – tão depressa são da oposição ao regime como do regime (…) -, é extremamente complicado perceber qual é a solução política – o ideal seria uma Síria unida -, que se pode obter”, sustentou.
“É um grande trabalho para as Nações Unidas, é muito difícil, com a paralisia geral que o Conselho de Segurança [da ONU] tem mostrado, infelizmente, sobre a possibilidade de avançar para as negociações diplomáticas. Não acredito noutra coisa que não seja uma solução político-diplomática”, disse o antigo chefe de Estado, acrescentando: “Já chega de sofrimento”.
Jorge Sampaio acrescentou não ver, atualmente, e tendo em conta os fatores existentes, “como se pode ter alguma esperança séria” para que a paz possa ser alcançada na Síria num futuro próximo.
Questionado sobre o que pensa do papel que os Estados Unidos têm estado a desempenhar no Médio Oriente, em geral, destacou que Washington, com a política do “America First” (América Primeiro) poderá estar a perder “alguns dos seus aliados tradicionais” na região.
“Podemos estar a assistir a um ‘trumpismo’ [do presidente norte-americano, Donald Trump], que, colocando os interesses norte-americanos acima de quaisquer outros, fecha aos Estados Unidos as possibilidades de atuação em termos de política externa. Mas espero que não. Os Estados Unidos são uma componente indispensável no multilateralismo internacional”, declarou.
Questionado se ao extremismo de Trump se pode juntar o do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, o antigo chefe de Estado português admitiu que sim.
“Putin tem estado muito calmo, porque as coisas estão a desenrolar-se com o menor custo possível, da maneira a recuperar um ‘pé’ que tinham perdido naquela zona do mundo”, considerou.
Jorge Sampaio referiu ainda que o mundo corre “sérios riscos” após os EUA terem abandonado o acordo nuclear com o Irão, que “com todas as eventuais falhas que pudesse ter, não tem substituto”.
“Quando não há substituto na política há um vazio que se cria”, argumentou.
Sampaio elogiou ainda a “grande contenção e grande reafirmação” de Teerão sobre a necessidade de se cumprir o acordado.
“Ninguém disse que não têm de cumprir. Disseram que não têm cumprido, mas não disseram em quê. Esperemos que esta contenção perdure, esperemos que a contenção da UE perdure, e esperemos que os Estados Unidos - sou mais pessimista a esse respeito - mantenham a contenção necessária numa altura destas”, concluiu.
Por outro lado, para Sampaio, a União Europeia (UE) não pode alienar a relação com os Estados Unidos nem pode ir mais além do que já foi.
“Precisa sempre do contexto NATO, precisa sempre das relações com os Estados Unidos e estes, entretanto, vão fazendo à volta do seu excecionalismo aquilo que muito bem têm entendido. Tenho um certo pessimismo sobre esta coisa do à beira do abismo em que estamos. Estamos a brincar com o fogo e esperemos que haja alguns sinais positivos noutras partes do mundo, vamos a ver”, sublinhou.
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