Um portal de inspiração socialista viu o ‘site’ ser bloqueado por um operador gerido pelo próprio Estado socialista, o Centro Nacional de Telecomunicações da Venezuela. E quando cerca de duas dezenas de funcionários do ‘site’ decidem realizar um protesto junto ao operador, logo aparecem cinco dezenas de polícias, servindo o mesmo governo socialista.
Questionados sobre o paradoxo da situação, os funcionários da Aporrea têm uma resposta, é que “este Governo já não serve o verdadeiro socialismo, já não é defensor dos valores da revolução, não admite a diferença de opiniões”.
Zuleika Matamoros, da equipa do portal explica melhor o que é a Aporrea: “É um meio alternativo e popular, surgiu no calor da luta, depois do golpe de Estado de 2002. É um espaço revolucionário, no âmbito da assembleia popular revolucionária. A ideia era criar um meio alternativo e popular para enfrentar a hegemonia comunicacional que se apresentou durante o golpe, através das tv privadas”.
Só que, diz, entre defender as ideias de revolução e apoiar acriticamente o governo vai uma grande diferença: “Não fomos criados para apoiar de maneira acrítica o governo. Sendo parte do processo revolucionário, queremos ser uma janela de difusão das lutas do povo que luta, de estudantes, camponeses, trabalhadores, indígenas”.
Zuleika afirma que o portal do ideal revolucionário manteve-se durante muitos anos “com autonomia e independência” e ao mesmo tempo “mostrando uma posição distinta da polarização” que diz lhes quererem impor.
Dá o exemplo do foco que colocam na luta dos trabalhadores públicos que foram sujeitos “à pulverização de salários e à eliminação das prestações sociais”. Diz que denunciam também os agricultores “assassinados e detidos apenas por produzirem nas terras”.
“Somos um portal de luta de difusão, de expressão dos povos oprimidos e dos setores mais dinâmicos na luta operária”, afirma a porta-voz do movimento de protesto do portal.
Em relação à contradição de um portal socialista protestando contra um governo socialista, Zuleika diz que só acontece porque “este governo não é socialista e revolucionário”.
Diz mesmo que se se analisar as decisões económicas tomadas, ou medidas do ponto de vista da liberdade democrática se consegue explicar “que a ação deste governo que diz que é revolucionária e socialista dista muito disso”.
Gonzalo Gomez, outro dirigente do movimento de protesto, passou alguns momentos complicados para explicar aos agentes da Polícia Nacional Bolivariana (mais do dobro do número de manifestantes) que aquela ação não pretendia ser uma manifestação, mas apenas um pedido de audiência junto da empresa.
“Expliquei-lhe que na Aporrea se informam e expressam centenas de milhares de pessoas. Tínhamos 150 mil visitantes diários no momento em que a página foi bloqueada e quase dois milhões de visitantes mensais. Não é um problema menor. Isso toca a um grande setor da população venezuelana que tem direito a que se lhe dê um trato mais relevante”, salientou.
Este dirigente aproveitou para discursar junto dos funcionários do operador de telecomunicações dizendo-se ao dispor para denunciar no portal as suas condições de trabalho, suas reivindicações, entre outras questões.
“A Aporrea está sempre ao serviço dos trabalhadores”, disse alto para todos ouvirem.
Para esta noite foi feito o apelo de um grande ‘tuitasso’ nas redes sociais, em que todos se manifestem em favor do desbloqueio da Aporrea.
A Aporrea apresenta-se como “‘site’ venezuelano que publica notícias e opiniões do ponto de vista dos partidários do ex-Presidente Hugo Chávez e da Revolução Bolivariana. Funciona como um meio de discussão, relato e geração de ideias com vista à construção do socialismo do século XXI”.
Nos cartazes assinalava-se a Marea Socialista, corrente crítica da governação de Maduro dentro do Partido Socialista Unido Venezuelano.
A crise política na Venezuela agravou-se a 23 de janeiro, quando o líder do parlamento, Juan Guaidó, jurou assumir funções de presidente interino, formar um Governo de transição e organizar eleições livres, contando com apoio de mais de 50 países.
Na madrugada de 30 de abril, um grupo de militares manifestou apoio a Juan Guaidó, que pediu à população para sair à rua e exigir uma mudança de regime. Nicolás Maduro, no poder desde 2013, denunciou a iniciativa do presidente do parlamento como uma tentativa de golpe de Estado.
À crise política na Venezuela soma-se uma grave crise económica e social, que já levou mais de 2,3 milhões de pessoas a emigrarem desde 2015, segundo as Nações Unias.
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