A mobilidade nas cidades ocupa um lugar de destaque na discussão pública. Seja porque milhões de pessoas são afetadas por ela todos os dias, seja porque novos modelos têm gerado novos conflitos, entre modos mais tradicionais e formas disruptivas de cumprir um mesmo serviço.

José Mendes, secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, é um dos rostos a liderar essa discussão. Tem ficado conhecido pela legislação em torno de plataformas como a Uber. Com isso em conta, como é que uma cidade inteligente consegue conjugar os interesses das novas plataformas de mobilidade e dos modelos mais tradicionais? “Vamos ver, o interesse que importa garantir no fim do dia é o do cidadão e do utente, do cliente, do passageiro. Esse é que o interesse”, sublinha. “Às vezes parece que há corporações que confundem os interesses”, atira. Contudo, reforça, o interesse final é o dos utentes.

E com esse interesse final há que “disponibilizar uma oferta diversificada”, ao mesmo tempo que se garante “a sobrevivência daqueles que providenciam o serviço”. Todavia, alerta o secretário de Estado, “convém não pôr a perspetiva ao contrário. O nosso objetivo é prestar mobilidade às pessoas, temos de fazer isso através de modos, meios, empresas, serviços, que sejam eles próprios equilibrados e sustentáveis”.

Estas inovações tecnológicas, como a partilha de carros, bicicletas, plataformas como a Uber ou Cabify, “não deixam ninguém para trás”, defende. “Alguns dos modelos tradicionais já introduziram aquilo que são os avanços que hoje se pretendem generalizar, como por exemplo a partilha. O táxi é um modo de transporte partilhado, um autocarro é um modo de transporte partilhado. Agora, há aqui outras camadas que têm a ver com qualidade de serviço, concorrência e desmaterialização que esses setores tradicionais têm também de abraçar.”

No fundo, os modelos tradicionais “não ficam para trás. Agora, não podem, não devem e eu acho que não querem recusar-se também ao progresso e à inovação sempre que esse progresso e essa inovação respondem às necessidades dos nossos clientes finais, porque é a essa necessidade que nós temos de responder”.

Mas construir uma cidade mais inteligente não é só ter transportes ativados pelo telemóvel. Passa também por soluções de mobilidade que sejam, igualmente, mais inteligentes. Autocarros autónomos ou bilhetes que não existem são exemplos de projetos portugueses que já começam a ser realidade. São eles a parte mais palpável pelas pessoas comuns dos objetivos de mobilidade.

“Há um conjunto de temáticas que estão a ser tratadas de baixo deste chapéu grande a que se chama Smart City [cidade inteligente], que visam manter ou melhorar e aumentar a oferta de serviço às pessoas e tornar as suas vidas mais fáceis”, diz José Mendes, ao SAPO24.

E que temáticas são essas? “Por exemplo, quando se fala em desmaterialização dos sistemas de tarifário e bilhética na mobilidade, significa que as pessoas são capazes, de forma transparente, passar de um modo de transporte para outro modo de transporte e para outro modo de transporte, seja o metro, a bicicleta, o barco, o autocarro, mantendo o mesmo título e fazendo isso de forma completamente desmaterializada”.

Este sistema já existe no Porto, através de um projeto do TIP, apoiado pelo governo. O passageiro pode fazer as viagens que quiser que o sistema otimiza o tarifário, isto é, escolhe a modalidade de bilhetes mais vantajosa para os percursos e utilizações de cada passageiro, “de forma que no fim do mês a conta apresentada à pessoa seja a mais baixa possível", explica o secretário de Estado.

“Estamos a falar de coisas que de facto melhoram a vida das pessoas, facilitam a vida das pessoas”. Estas medidas aplicam-se através de três instrumentos: políticas públicas, tecnologias disponíveis, programas que tragam as pessoas para a tecnologia, “que permitam que as pessoas possam apreender, possam perceber, contactar com as vantagens da tecnologia e perceber que por essa via podem ter mais comodidade, uma vida mais facilitada e menores custos para uma mesma ou melhor qualidade de serviço”, exemplifica.

Porém, de que vale pensar na mobilidade do futuro quando ainda faltam resolver problemas do passado, como a mobilidade de pessoas portadoras de deficiência? O secretário de Estado reconhece os problemas “mais ou menos pontuais”, embora admita que “muitos não são pontuais”. Ainda assim, afirma José Mendes, “Portugal fez um caminho muito importante e as coisas melhoram muito no último par de décadas”.

Apesar disso, defende, estes problemas “de diferente natureza e tipologia” não devem “impedir de fazermos avanços noutras áreas; ou seja, a vantagem deste tipo de saltos de paradigmas e tecnologias é que não temos de fazer as coisas por sequência”, defende.

“Um exemplo muito bem conhecido é o dos países africanos, que em termos de comunicações deram um salto gigante, porque não passaram pela era do cobre, não tinham comunicações, e quando entraram, saltaram imediatamente para a era das comunicações por fibra e sem fio” exemplifica.

No caso da mobilidade, “é a mesma coisa”. Apesar de “não nos podemos esquecer desses problemas concretos que existem — os problemas das pessoas com mobilidade reduzida são importantes, porque são cidadãos que têm direito às mesmas oportunidades que os outros, mas também temos de perceber que há saltos de paradigma que podemos dar, independentemente disso, e apesar disso”, afirma.

“O que interessa é sermos capazes de ter políticas multifacetadas que não deixem ninguém para trás. Não travarmos o caminho da inovação, da modernização, da disponibilização de mais serviços, à custa de deixar algumas pessoas para trás.” Até porque, “muitas das tecnologias que hoje começam a ser disponibilizadas e que se perspetivam, resolvem justamente alguns desses problemas de nicho”.

A mobilidade autónoma pode permitir que “pessoas de mobilidade reduzida, ou porque têm uma dificuldade física, ou porque têm uma dificuldade de outra natureza, ou porque são velhinhas, ou porque não tiraram a carta de condução, ou porque são analfabetos, o que quer que seja, ganhem por esta via”. Porém, o secretário de Estado reforça que “é preciso trilhar este caminho da inovação e do avanço tecnológico, mas não esquecer as pessoas e sobretudo não deixar ninguém para trás”.

A cimeira Portugal Smart Cities (cidades inteligentes) é organizada pela fundação AIP no Centro de Congressos de Lisboa. A iniciativa olha para temas como o ambiente e a biodiversidade; as energias renováveis e a mobilidade; o emprego e a economia sustentável.

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