"O Hospital da Cruz Vermelha informa que ao longo do dia de hoje ocorreram alterações ligeiras no estado de consciência do doutor Mário Soares que se encontra agora mais reativo aos estímulos externos", disse aos jornalistas José Barata, porta-voz da unidade hospitalar de Lisboa, no último boletim clínico do dia.
Foi ainda iniciada "alimentação entérica por sonda nasogástrica", mantendo-se estáveis os sinais vitais e permanecendo inconsciente.
"Os exames clínicos hoje efetuados pela equipa multidisciplinar não revelam agravamento dos parâmetros laboratoriais", referiu ainda o porta-voz.
Segundo José Barata, o estado de saúde de Mário Soares mantém-se estável, continuando nos cuidados intensivos, "numa situação crítica e de prognóstico reservado".
Mário Soares, de 92 anos, deu estrada no Hospital da Cruz Vermelha na madrugada de terça-feira.
Uma das visitas que hoje se deslocou ao hospital foi o antigo presidente de S. Tomé e Príncipe Miguel Trovoada, que à saída disse aos jornalistas que estando em Lisboa entendeu que "não podia deixar de dar um abraço de solidariedade e de amizade à família de Mário Soares".
"Vamos seguindo com muita atenção, como muita emoção esta situação do presidente Mário Soares", disse, confidenciando que "são relações muito próximas" e que se sente "profundamente emocionado com esta situação".
Miguel Trovoada lembrou que conhece o antigo chefe de Estado português "há muitos anos" e que Mário Soares "é alguém que conhece também S. Tomé", país para o qual foi deportado sem julgamento em 1968.
"Nós reatámos as relações depois do 25 de Abril, em que começámos os contactos para a descolonização. O primeiro contacto teve lugar em Londres e depois em Nova Iorque e preparámos em Lisboa as negociações de Argel, que culminaram com a assinatura dos acordos que traçaram as linhas que conduziram à independência de S. Tomé e Príncipe", recordou.
Os filhos de Mário Soares têm estado em permanência no Hospital da Cruz Vermelha, tendo recebido ao longo do dia diferentes visitas como o presidente do Conselho Económico Social, Correia de Campos (que não quis falar aos jornalistas), o ex-líder do CDS-PP Freitas do Amaral, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, e o bispo Januário Torgal Ferreira.
Já Maria João Seixas - que foi mandatária de Mário Soares à Presidência da República - disse aos jornalistas que devia muita da sua liberdade ao antigo chefe de Estado, com quem tem "uma relação de amizade".
"Estou triste, mas com esperança", disse, destacando que tem "uma imensa dívida de gratidão".
Para hoje não estão agendadas mais declarações por parte do Hospital da Cruz Vermelha sobre o estado de saúde de Mário Soares, prevendo-se que o próximo boletim clínico seja divulgado na quinta-feira de manhã.
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Mário Alberto Nobre Lopes Soares foi tudo na vida política: combateu a ditadura de Salazar e Caetano, que a Revolução dos Cravos derrubou em 1974, fundou o Partido Socialista (PS), foi ministro dos Negócios Estrangeiros, primeiro-ministro nas décadas de 70 e 80, e Presidente da República, de 1986 a 1996.
Na “despedida” de Belém, muitos previram que seria também a sua “despedida” da política, prometendo o próprio Mário Soares que, a partir daí, ocuparia o seu tempo a escrever livros. Mas não.
O ex-Presidente e líder histórico do PS foi eurodeputado entre 1999 e 2004, correu o mundo para participar em seminários e conferências e fez programas de televisão. Voltou a prometer, aos 80 anos, que se iria retirar, mas volta em 2005 para se candidatar, sem sucesso, à Presidência da República, tendo sido derrotado por Cavaco Silva. As eleições foram a 22 de janeiro de 2006.
Fundador do PS na década de 70, ainda em plena ditadura, os primeiros passos de Mário Soares na política foram dados aos 19 anos, quando aderiu, na clandestinidade, ao Partido Comunista Português (PCP), em 1944. Foi nessa altura que conheceu o líder histórico do PCP, Álvaro Cunhal, então jovem dirigente comunista e que lhe deu explicações.
Dois anos depois, em Agosto de 1946, foi pela primeira vez preso pela PIDE. Cinquenta anos depois, numa entrevista, confessou que a prisão foi a sua “segunda universidade”.
Já licenciado em Ciências Históricas-Filosóficas e Direito, na Universidade de Lisboa, desligou-se do PCP e aderiu à Resistência Republicana e Socialista, que pretendia construir uma alternativa de esquerda não comunista.
A luta contra a ditadura, foi, aliás, uma das coisas que partilhou com o pai, João Soares, aquele que considerou a “sua grande referência moral”.
Em meados da década de 40, já depois do final da II Guerra Mundial, foi secretário da Comissão Central da candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República, participando desde essa altura em todos os actos eleitorais permitidos pelo regime.
Uma intensa actividade política que levou a que fosse preso pela PIDE 12 vezes, num período de apenas três anos. Na prisão, casou-se com Maria de Jesus Barroso, jovem actriz do Teatro Nacional, a 22 de Fevereiro de 1949.
Como advogado, defendeu presos políticos e representou a família de Humberto Delgado nas investigações que provaram a responsabilidade da PIDE no assassínio do “general sem medo”.
Em 1961, subscreveu o Programa para a Democratização da República, acto que o levaria novamente à prisão por seis meses. Três anos depois, com Francisco Ramos e Costa e Manuel Tito de Morais fundou a Acção Socialista Portuguesa, primeiro embrião da organização que daria anos mais tarde à formação do Partido Socialista.
Em 1968, esteve oito meses deportado em São Tomé e Príncipe e, dois anos depois, foi obrigado a exilar-se em França, onde deu aulas em Vincennes, na Sorbonne e na Faculdade de Letras da Alta Bretanha.
Enquanto estava no exílio, a 19 de Abril de 1973, na Alemanha, Mário Soares foi um dos fundadores do Partido Socialista, sendo eleito secretário-geral de imediato, cargo que desempenharia durante 13 anos, até 1986.
Nessa altura, preparava-se já em Portugal o movimento dos capitães que levaria à queda da ditadura, em 25 de Abril de 1974.
Apenas dois dias depois, Mário Soares apanhou o comboio em Paris. À chegada, em Santa Apolónia, foi levado para a varanda da gare, de onde falou para uma multidão em delírio.
De regresso a Portugal, foi ministro dos Negócios Estrangeiros. Membro dos primeiros Governos Provisórios, iniciou oficialmente o processo de descolonização, sendo durante anos responsabilizado por ter estado na origem de um “desastre”.
Com o “Verão Quente” de 1975, e depois do PS ganhar as eleições para a Assembleia Constituinte, demitiu-se do IV Governo Provisório e foi um dos organizadores do movimento contra a ameaça de uma nova ditadura, com o famoso comício na Fonte Luminosa, em Lisboa.
Primeiro-ministro do I Governo Constitucional, em Julho de 1976, Mário Soares foi eleito vice-presidente da Internacional Socialista.
Até 1978, além das convulsões políticas, Soares lidou com o regresso dos milhares de retornados das ex-colónias e enfrentou a situação de quase ruptura financeira do país, através de um programa de rigor negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
De 1978 a 1983, na oposição, participou na primeira revisão da Constituição, que consagrou o carácter civilista do regime.
Primeiro-ministro do IX Governo Constitucional (PS/PSD), de 1983 a 1985, Soares ultimou o processo de adesão de Portugal à CEE - por si iniciado em 1977 - e assinou o Tratado a 12 de Julho de 1985.
A derrota do PS nas eleições de 1985 fizeram-no regressar à oposição. Por pouco tempo.
No seu grande combate político pessoal, em 1986, e apesar das sondagens lhe terem começado por dar apenas oito por cento dos votos, Mário Soares ultrapassou a votação de Salgado Zenha na primeira volta das presidenciais e derrotou Freitas do Amaral à segunda volta.
Em Belém, exerce um primeiro mandato consensual, numa postura de “rei-presidente” que o leva a obter o apoio do PSD para o segundo e último mandato em Janeiro de 1991, que alcança com a maior votação de sempre (70,4 por cento dos votos).
Mas quase tanto como as manchetes de “O Independente”, as suas “presidências abertas” ficaram famosas pelo efeito de desgaste que provocaram sobre o Governo de Cavaco Silva, que o incluía entre as “forças de bloqueio”.
Ficou-lhe a satisfação de ter empossado o primeiro governo do PS depois de dez anos de “jejum” de poder socialista, em Outubro de 1995, e de ter passado o testemunho da presidência a um outro socialista, Jorge Sampaio.
No meio de tudo isto, e de ter viajado pelo Mundo inteiro - fez mais de 80 visitas ao longo dos dois mandatos como chefe de Estado -, Soares só não exerceu um único cargo político governativo: o de secretário de Estado.
Já fora de Belém, Mário Soares dedicou-se, tal como tinha prometido à escrita, mas não só. Voltou a correr mundo para participar em conferências e palestras, participou em programas de televisão, escreveu artigos em jornais e revistas, nunca se coibindo de comentar a actualidade nacional e internacional.
Em 1999, e ao contrário do que tinha prometido quando saiu de Belém, volta à política activa, aceitando o desafio de liderar as listas do PS para o Parlamento Europeu. “Agora, basta! Não haverá mais política, nem exercício de cargos políticos”, disse a 7 de Dezembro, durante o jantar comemorativo dos seus 80 anos. Uma promessa que quebrou mais tarde, em 2005.
A sua última aparição pública foi este ano, por ocasião da homenagem ao I Governo Constitucional.
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