“Com o balão nunca é garantido. Não há volante. Eu sei o que quero mas aqui quem manda é a natureza”, começa por explicar, a seco, Guido Santos, piloto da Winpassenger e um dos responsáveis da organização do Festival Internacional de Balonismo Rubis Gás UP, que decorre nos céus de Coruche e que traz à Lezíria ribatejana 25 balões de equipas oriundas de Portugal, Brasil, Espanha, França, Alemanha, Luxemburgo, Holanda e Inglaterra. Em breve perceberemos as razões daquelas palavras ditas em português com sotaque holandês.
À hora previamente agendada e confirmada pela manhã, às 17h30, junto à praça de Touros de Coruche, decorreu um briefing para todos os que se preparavam para levantar voo. O meteorologista de serviço que analisou o vento e temperatura ao longo do dia lê e explica as cartas. Boa visibilidade está à vista de todos. Nevoeiro, zero. Porque se houvesse, os balões não saíam do chão. “Calor (mais de 24 graus), nevoeiro, chuva e vento”, são as situações em que Guido cancela os planos. E por falar em temperaturas, “há que fazer o cálculo. Quanto mais calor, menos os passageiros nos cestos, para ter menos peso no balão”, explica.
Carregue nas fotos para ver a fotogaleria completa
Tal como ocorrido de manhã, tudo está perfeito. Os dois voos previstos do dia realizam-se. Um, antes das oito da manhã, outro no final de tarde. O fotógrafo foi de manhã, o jornalista que esperou para ver foi com o aproximar do sol posto.
O céu estava limpo. 19 graus. O vento soprava fraco. “Sudeste. Dois nós. Mas uma hora depois, vira sueste” chamam a atenção no briefing. A mudança de vento é tão ao mais importante porque para quem levanta voo muito tempo depois do primeiro balão no ar vai parar a outro lado. “A janela descolagem é muito importante”, explicam. É que não se esqueçam. A natureza manda.
Da parte da tarde estava reservada uma “caça à raposa”. Regras? É uma espécie de corrida em que ninguém pode aterrar antes do balão que seguiu na frente.
Desembrulhar a lona, uma ventoinha de ar e fogo cuspido para dentro do balão
O processo obriga a uma logística um tanto ou quanto complexa para quem é leigo, simples e rápida para quem está habituada a levantar os pés do chão. Em 20 minutos tudo está feito.
Há carros de apoio. Por norma jeep, SUV’s ou monovolumes. Transportam atrelados que escondem o balão propriamente dito e todo o equipamento necessário: o queimador, as botijas de gás propano (especificas para este uso), cabos e o cesto de transporte.
Cestos de um lado, balões do outro. Os primeiros deitados, os segundos serão, nos minutos seguintes, desenrolados da capa. A forma de bola transforma-se, lentamente, num pano estendido ao longo da relva. A lona, “envelope” como é apresentado por quem percebe, não é passado a ferro, mas quase. Os cabos e os ganchos são ligados aos sítios certos. Cabos mais finos desentrelaçados e ligação feita e testada aos queimadores. É que lá em cima será este um dos combustíveis que garante que andamos.
Ventoinha ligada. Objetivo? Imaginem o efeito que a saia de Marylin Monroe criou. Aqui não levanta saias, mas a brisa criada ajuda a abrir o balão. Enche-o. Ouve-se o barulho das cuspidelas de fogo que o dispositivo (queimadores) ligado às botijas provoca. Há que deitar ar quente lá para dentro do “envelope” ao mesmo tempo que o ar arrefece o dito. Questões térmicas dizem os entendidos.
Os balões vão ganhando forma. Há os normais. De todas as cores. E há os ditos de formas especiais. De todos os feitios. Nos céus de Coruche oito pertencem a este género. Aos poucos observamos um pelicano, uma boneca, um gelado corneto e uma garrafa de Licor Beirão. Um dos atrelados deixa descobrir que lá dentro está uma mota. “São 560 kg de balão”, diz o proprietário num inglês com sotaque holandês, orgulhoso do balão em forma especial.
Para garantia que o balão não sobe sem passageiros, há um cabo que o prende aos ganchos dos carros de apoio. Cesto endireitado. Lá dentro, o piloto. É agora tempo de os tripulantes entrarem em ação. Cinco, no caso concreto. Um pé num orifício, o outro no buraco uns centímetros mais acima, uma perna para dentro do cesto, agora outra, sentados e deixamo-nos cair lá para dentro. Seguem-se os outros passageiros.
O que parecia um espaço suficiente para estarmos todos à vontade, depressa se transforma em pouco mais de um metro quadrado em que lutamos por ocupação pacífica de centímetros. A mochila com o computador bem que poderia ter ficado em terra. Só atrapalha. Já basta os pés a tocarem nas botijas que seguem a bordo.
Ombro a ombro, tempo para um “flash-briefing”. No momento da aterragem, caso seja um pouco mais “desportiva” deve ser feita agachados, com joelhos fletidos e de costas para o movimento que o cesto fará. É que há aterragens perfeitas e outras um tanto ou quanto com o cesto de lado. Entendido. E assimilado.
Os cães ladram, a caravana passa
Sanchez, piloto espanhol a residir em Madrid, orgulha-se de o pai ter sido o primeiro a ter licença em Espanha para guiar balões de ar quente. Ele fá-lo desde tenra idade, explica, descansando quem com ele viaja.
A subida é repentina. Rapidamente invadimos o céu. São metros e metros que não conseguimos traduzir sobre quantos andares seriam. Para um estreante, o primeiro impacto pode ser uma vertigem. Foi. Ao segundo, abrimos a boca de espanto. Abrimos. Tanto que deixámos entrar o ar puro misturado com o gás propano que sai cuspido dos queimadores.
Quanto mais fogo é acionado, mais a nossa cabeça sente aquele quentinho atrás da nuca. E se Ícaro queimou as asas a caminho do Sol, o balão, dizem, está imune, devido às características e revestimento dos envelopes, explicam-nos.
Estabilizados e uns metros mais abaixo, tudo muda. A perceção de espaço, o horizonte sem fim. Visto de cima, as pessoas parecem formigas, os casarões, frações de T2 e facilmente se depreende o desordenamento do tecido urbano. As casas e as propriedades cruzam-se sem regra nem esquadro. Avistamos montado e a floresta densa. Direitinho, direitinho, só mesmo o cemitério de Coruche.
Queremos registar o momento com um smartphone. Fazemo-lo, mas com o pensamento se cair, não nos debruçamos para apanhá-lo. Paramos na próxima loja para comprar outro.
Por cima na malha urbana, os cães ladram de forma desenfreada a cada cuspidela de ar quente. Quem está em casa, sai para a rua. Para olhar para os céus. Como quem vê a caravana da Volta a Portugal em bicicleta.
A natureza é quem mais ordena, uma ideia cada vez mais presente. E o povo dos balões aterra por vezes, de forma inesperada. O vento (ausência) e questões térmicas podem obrigar a aterragens “desportivas”. Foi o que sucedeu no voo da manhã, com o balão da boneca a aterrar numa zona com aglomerado de habitações, numa propriedade privada, com os portões fechados e a curtas distância de ovelhas e porcos. Um caso que a GNR que acompanha o festival de balonismo resolveu prontamente contactando a proprietária.
Já o balão com a forma da botija de gás aterrou numa herdade. Quase no meio do nada. Mais uma vez, os portões de acesso fechados o que dificulta a vida ao carro de apoio que, por estradas alcatroadas e outras de terra, acompanha a sua equipa.
Entrar nas propriedades pode ter o seu quê de radical. É que convencer os cães que “vamos só ali apanhar o balão” pode não ser muito convincente. Que o diga quem segue, por terra, estas formas coloridas que nos obriga a olhar para o céu.
A comunicação entre ar e terra é feita por intercomunicador ou telemóvel. Quem está lá em cima orienta cá para baixo sobre o local de aterragem. Com a ajuda de mapas militares que estudam caminhos e propriedades. Porque há situações em que o cesto é recolhido com a ajuda de cordas com dezenas de metros. Puxado à mão.
Tocar nas copas das árvores e entrar dentro de casa do primo
De regresso ao voo da tarde, o piloto deixa um aviso: “os cabos elétricos são pouco visíveis”. Os cabos, talvez, agora as copas das árvores, essas podemos vê-las à distância. E ficam cada vez maiores à medida que nos aproximamos delas. Tão próximo, tão próximos...que tocamos. “Já está...” solta uma gargalhada, o piloto que é conhecido por estes pequenos batismos de raspar o verde na cúpula.
A “raposa” pousou, avistámos. Rapidamente escutámos: “vamos descer ali, depois das ovelhas e daquela casa”. Não aconteceu. Batemos, com ligeireza, no solo e levantamos mais uns metros. Galgadas mais um par de árvores, descemos no terreno ao lado. Numa aterragem um tanto ou quanto desportiva. Com todos que ocupavam o cesto agachados, como tínhamos sido brifados. “Chegámos. Tudo bem?”, perguntou. Sim, tudo normal. Olhámos em redor e quase que, dentro do cesto, esticando os braços, podíamos cumprimentar duas famílias que estavam nas traseiras de suas casas. “Podem sair”, pediu explicando o processo. Saímos. Um dos ocupantes, estupefacto cumprimentou um “primo”, o tal cuja propriedade tinha sido invadida.
O SAPO24 não tinha nenhum primo para dizer olá. Ao ligar para o carro que nos vinha buscar quase que sentiu a voz a nosso lado. Este e o carro de apoio que seguiam o nosso balão desde que levantou voo até ao ponto de aterragem surgem por entre a vegetação de um metro de altura. Porque se o balão levanta num ponto, não regressa à casa de partida e é necessário recolher o material e dar boleia a quem viajou.
Organizado pela Windpassenger, com apoios da Rubis Gás, Câmara Municipal de Coruche e a Paladin, o festival tem uma preocupação ambiental. Durante os próximos três dias quem quiser seguir as pisadas do SAPO24 fique a saber que ao comprar um bilhete para o céu ribatejano (159 euros) pode comprar um sobreiro ou um pinheiro, que serão plantados no município de Coruche, sendo que parte deste valor reverte para a organização ambiental QUERCUS - Associação Nacional de Conservação da Natureza.
Comentários