É sempre chegado o tempo dos balanços. Com as horas corredias do fim do calendário, a gente deita os olhos às perspetivas, ao deve e ao haver entre o que fizemos e o que ficou por fazer. E parece sempre que falta alguma coisa.
No final de 2019, principiou este “novo tempo”, a literal época da doença, com a covid-19 a contaminar todos os aspetos da vida — seja nas rotinas familiares, seja nos fluxos logísticos dos bens e produtos.
Portugal entra em 2022 com uma espécie de ansiedade semelhante à que, no início deste ainda 2021, mergulhou o país na catástrofe (quem se esquece das imagens de longas filas de ambulâncias à porta do Hospital Santa Maria, em Lisboa?). Hoje, porém, devemos ter esperança: apesar dos números que vêm com cara de susto nas parangonas da comunicação social, a verdade é que se morre menos, se sofre menos — e se recupera, devagar, alguma “normalidade”.
Há sempre que usar aspas nisto de falar do que é normal. Quanto tempo é preciso passar para dizermos que isto é o normal? — afinal, 2022 será o terceiro ano consecutivo em pandemia.
Para além da expectativa sanitária, Portugal chega ao próximo ano sem parlamento. Só ao 30.º dia de 2022 os portugueses vão decidir quem querem sentar na Assembleia da República.
Isto é o grande plano do país (muito bem resumido aqui). Hoje, nestas últimas horas que sobram do ano que finda, há maior tendência para os pequenos balanços, para as introspeções. Mas essas também não cabe aqui fazer.
Daniel Faria, jovem poeta português que morreu em 1998, escreveu “há nos meus olhos dois poços”. São fendas no espaço, acrescento eu, para onde entra a escuridão, sim; o negativo; a negação; o medo; o temor. Mas é também para dentro da ausência, para o espaço, que pode entrar a luz. E, disse ele também, “se acender a luz não morrerei sozinho.”
Esta é uma noite de passagem do ano com menos luz nos céus: as autarquias cancelaram os fogos de artifício. Mas que possa o céu escuro desta espécie de inverno primaveril (com todas as metáforas que aqui cabem) ser o espaço para que entre um novo ano — e um novo rumo. O título desta crónica — “sou urgência de outro sítio” — é também de Daniel Faria. E é resumo suficiente do estado mental em que já todos andamos nesta altura: uma ansia por outro tempo, outros desafios, outras vontades e oportunidades. É que, desde 2020, o sítio a que chegámos é dominado pela doença. Venha outro.
Sozinha/o, a trabalhar, com a família toda, sem a família toda, isolado, confinado, com todas as suas pessoas, pela primeira vez sem elas, ou a dormir, deixo, como ponto final do ano e deste texto, votos de um bom 2022. Espero tê-la/o desse lado para que juntos, aqui no SAPO24, continuemos a olhar para as histórias por trás das notícias.
Eu sou o Pedro Soares Botelho e 2021 foi mais ou menos assim.
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