Com o aproximar do período das festas, a comunicação social começou a encher-se de histórias e imagens das corridas aos testes. Dos autotestes para se fazerem em casa e dos testes feitos por profissionais, seja em farmácias ou nos vários postos de testagem grátis sem marcação disponibilizados pelas várias autarquias do país.
Em Lisboa, o cenário era o mais caótico. Filas que contornavam a praça de touros do Campo Pequeno, pessoas que na Praça da Figueira ficaram mais de quatro horas numa fila para, chegada a sua vez, já depois da meia-noite, verem a porta ser-lhes fechada na cara.
As pessoas seguiram o apelo da Direção-Geral da Saúde e testaram-se. Praticamente a cada dia surgia uma nova nota que dava conta de mais um recorde de testes feitos em 24 horas, numa contagem que não incluía os autotestes. Só no dia 22 de dezembro foram realizados cerca de 250 mil testes de deteção do vírus SARS-CoV-2 em Portugal.
À medida que os números de testes subiam, o número de casos começava a disparar no boletim epidemiológico diário divulgado pela DGS. No dia 24 de dezembro, o relatório, que diz respeito às 24 horas anteriores, dava conta de mais de 12 mil novos casos de covid-19 detetados.
A última vez que tínhamos tido um dia com mais de 12 mil casos vivia na outra ponta do ano, no relatório do dia 29 de janeiro de 2021. Nesse dia foram detetados 13.200 novos casos.
A situação do país era então diametralmente oposta à que vivemos hoje. Nesse boletim do distante mês de janeiro, o número de pessoas internadas em enfermaria era de 6.627 e em unidades de cuidados intensivos de 806. Hoje, de acordo com o relatório do dia 24 de dezembro, há 864 pessoas em enfermaria e 149 nos cuidados intensivos. É o retrato de um país protegido pela vacinação.
No entanto, se hoje sabemos que a vacina tem uma alta taxa de eficácia na proteção e prevenção de doença grave e morte, sabemos também que há coisas que não evitam. O isolamento por infeção com covid-19, mesmo de assintomáticos ou de pessoas com sintomas ligeiros, é uma delas.
Tendo em conta que uma pessoa que teste positivo à infeção pelo novo coronavírus tem de ficar 10 dias em isolamento e que uma pessoa que esteja em contacto com um caso positivo, e que esse contacto seja considerado de elevado risco, tem de ficar 14 dias em quarentena, quem testou positivo à covid-19 depois do dia 14 de dezembro e quem teve com alguém infetado e foi considerado um contacto de alto risco depois do dia 10 de dezembro, viram os planos para a consoada e dia de Natal ficarem de pernas para o ar.
Foi o caso do João, 25 anos, que após realizar um autoteste descobriu que estava infetado com o novo coronavírus. Era dia 21 de dezembro, estávamos a três dias do Natal quando soube. O namorado, com quem vive, testou negativo. Numa casa onde, conta, não havia nem luzes nem decorações, uma vez que não contavam passar ali a consoada, era necessário improvisar um Natal.
Apressou-se a encomendar comida pelo Pingo Doce online e o menu da consoada passou a ser bacalhau espiritual, numa refeição que mesmo a dois não poderá ser normal porque, estando um positivo e outro negativo, têm de estar em divisões distintas.
Vai ser um “Natal triste”, conta-nos o João, que revela que a família já está a planear um segundo Natal no Dia de Reis, a seis de janeiro, para que se possam encontrar e trocar presentes.
Presentes? Esse é outro ponto que também não vai ser igual ao dos outros anos na casa deste jovem casal, uma vez que no dia em que foram comprar as compras para a família, deixaram a prenda um do outro para uma data mais perto do Natal.
“Nem temos prendas um para o outro”, diz entre risos. A normalidade, a pouca tangível num cenário como este, virá pela família com quem contam fazer uma videochamada durante a noite.
Há família, mesmo que à distância, amor e bacalhau. No final de contas, já não falta tudo. Sim, porque ao nível de saúde, apesar de positivo, o João está apenas com alguns sintomas ligeiros.
De Lisboa seguimos para Coimbra, para outro Natal atípico. Numa casa onde também não há decorações e presentes, Alexandre, Armando e Adriana, todos de 26 anos, foram apanhados de surpresa com um teste positivo e vão ter um Natal entre amigos em vez de com a família.
Foi no dia 23, após realizarem vários autotestes, que Alexandre e Adriana descobriram que estavam infetados com o vírus SARS-CoV-2. Já Armando, não tendo testado positivo, foi considerado pela linha SNS24 um contacto de alto risco por partilhar casa com os dois amigos e terá pela frente um período de isolamento de 14 dias.
“O momento mais stressante foi encher o frigorífico. Quando soubemos que íamos ter de ficar fechados em casa o Continente já não fazia entregas e tínhamos o frigorífico vazio, porque achávamos todos que íamos para casa passar o Natal em família”, conta Alexandre, natural do concelho de Alcobaça.
A solução veio pelas mãos de um amigo que vivia perto e se disponibilizou para ir às compras por eles e levar-lhes as coisas até à porta de casa. O menu vai ser bem típico, vai haver bacalhau com todos, peru e muitos doces natalícios.
Depois das más notícias veio tempo, diz-nos Alexandre. “Depois de digerir tudo o que percebemos foi que de repente tínhamos muito tempo”, conta, explicando que esta operação Natal em família começou hoje cedo com a confeção dos doces.
Não deixa de ser curioso ouvir o relato das diferentes formas como Alexandre viu o tempo passar. No momento em que fez o teste, diz, a linha que ninguém queria que aparecesse surgiu instantanemente. Tão depressa como a interjeição do pai no mal afamado telefonema que ninguém quer fazer por estes dias: “E agora? Acabei de encomendar um leitão”
As histórias serão muitas, só o boletim de hoje dá conta da existência de 210.407 pessoas em isolamento (pessoas em vigilância e casos ativos). Não sabemos quantas terminarão o período de quarentena ainda a tempo de participar nas festas, mas dificilmente o cenário mudará substancialmente e fará com que este número, que é no fundo a soma de casos ativos e contactos em vigilância, fique abaixo dos 200 mil.
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