Segundo o advogado Melo Alves, defensor de João Paulino, que há um ano foi condenado, em cumulo jurídico, a uma pena única de oito anos de prisão, a Polícia Judiciária Militar (PJM) e a GNR fizeram uma “investigação paralela” ao seu cliente, na fase de inquérito, sem promoção do Ministério Público (MP).
Essa “investigação intensa e extensa” resulta numa “nulidade insanável”, insistiu.
Melo Alves, acompanhado por João Paulino, defendeu hoje os argumentos do seu recurso na audiência de julgamento que decorre no Tribunal da Relação de Évora.
Nesta audiência, que começou de manhã, participam outros cinco advogados e estão presentes mais seis arguidos do caso Tancos.
O defensor do autor confesso do furto de armas em Tancos argumentou que as declarações do seu cliente “foram muito importantes” para o processo e lembrou que o arguido colaborou.
Além disso, devolveu o material furtado, pelo que deveria beneficiar de uma pena atenuada, defendeu.
Na sua argumentação, Melo Alves aludiu ainda à existência de um acordo entre João Paulino e o ex-porta-voz da PJM, major Vasco Brazão.
O advogado defendeu também a impugnação de um ponto no acórdão de primeira instância de que João Paulino terá beneficiado financeiramente da venda de estupefacientes e de outro ponto em que a testemunha Paulo Lemos terá “transmitido ao arguido que teria um comprador que teria pertencido à ETA” para ficar com o material militar furtado.
“Não foi permitido ao arguido contraditar este depoimento. A fonte nunca foi chamada, nunca se perguntou ao João Paulo [sobre este assunto]”, exemplificou.
Por isso, o causídico questionou se será possível valorizar este depoimento, ainda para mais vindo de Paulo Lemos, que foi, ao mesmo tempo, “testemunha e arguido”.
E argumentou que, se esse comprador existisse na realidade, “tinha pertencido à ETA, já não pertencia”, pelo que o material não se destinava “a uma organização terrorista”, além de que “não ficou provado” que Paulino queria vender os explosivos à ETA.
Advogado de autor do furto admite novo julgamento sobre o caso
“É possível do ponto de vista técnico. É plausível. Em termos de agilização de meios, seria terrível, mas, do ponto de vista jurídico, é perfeitamente possível”, afirmou Carlos Melo Alves.
O causídico, porém, sublinhou que o recurso que apresentou não visa diretamente a anulação do julgamento realizado em Santarém.
“A questão que coloquei não se prende tanto com a anulação do julgamento, mas mais com a nulidade de provas e a consequência a retirar era que o arguido tinha que ser absolvido de alguns dos crimes”, esclareceu.
Questionado sobre se pretende a absolvição de todos crimes pelos quais foi condenado o seu cliente, Carlos Melo Alves admitiu esse cenário, caso a Relação de Évora acolha o seu argumento da nulidade insanável devido à “investigação paralela” da Polícia Judiciária Militar (PJM) e GNR.
E sobre se é razoável a pena única, em cúmulo jurídico, de oito anos de prisão aplicada a João Paulino, o causídico considerou que “o bom seria a absolvição ou uma pena suspensa”.
Nas declarações aos jornalistas, o advogado do autor confesso do furto disse que o “principal argumento” do seu recurso está relacionado com a devolução do material furtado por João Paulino.
“Sendo advogado há muitos anos, é a primeira vez que tenho um caso em que o arguido, no trajeto criminal, chega ao meio arrepende-se e diz assim: ‘Já não quero a senda do crime e devolvo o material’”, realçou.
Para o causídico, esta “é a questão fundamental”, pela qual “João Paulino tem que ser beneficiado”.
Outro fundamento do recurso tem a ver com a legalidade da prova e centra-se na “investigação paralela” da PJM e GNR, disse, defendendo que isso deve ter como consequência “uma nulidade insanável”.
“A prova em relação ao João Paulino tinha que ser toda nula” e o tribunal de primeira instância “diz que é um vício, mas não diz que vício é que é. Se dessem razão relativamente a isso, o João Paulino tinha de ser absolvido também pelo crime de furto”, defendeu.
O terceiro argumento diz respeito ao “acordo que foi feito” para a entrega do material furtado, pois, “se é ilegal, aquilo que tem que acontecer é o arguido João Paulino também ser absolvido por essa via”, acrescentou.
Também em declarações aos jornalistas, o advogado Ricardo Serrano Vieira, que representa o major Roberto Pinto da Costa e o sargento Mário Lage de Carvalho, ambos da PJM, revelou que o seu recurso põe em causa “a decisão e as contradições” da decisão do Tribunal de Santarém.
“Não pedimos um novo julgamento. Apenas dizemos, neste recurso que interpusemos, que há questões que não foram, na nossa perspetiva, corretamente aplicadas” pelo Tribunal de Santarém e “devia haver outra solução”, adiantou.
Porém, salientou, se a Relação de Évora “entender que é necessário para o esclarecimento de alguma dúvida que o processo seja reenviado para a primeira instância para dirimir essas dúvidas, será feito”.
Durante a manhã, outros advogados expuseram os fundamentos dos seus recursos apresentados após o acórdão do Tribunal de Santarém, tendo ficado ainda agendada para a tarde a audiência de Ricardo Sá Fernandes, defensor do major Vasco Brazão, da procuradora do Ministério Público.
Em 07 de janeiro do ano passado, o Tribunal Judicial de Santarém condenou 11 dos 23 arguidos no processo do furto e recuperação de material militar dos Paióis Nacionais de Tancos (PNT), com os autores materiais a receberem prisão efetiva.
No acórdão, foram condenados a penas de prisão efetiva, além de João Paulino, com a pena mais grave, os dois homens que o ajudaram a retirar o material militar dos PNT na noite de 28 de junho de 2017, João Pais e Hugo Santos.
Os três foram condenados pelo crime de terrorismo, praticado em coautoria material, e João Paulino e Hugo Santos também por tráfico e outras atividades ilícitas, tendo o cúmulo jurídico resultado numa pena de prisão efetiva de oito anos para João Paulino, de cinco anos para João Pais e de sete anos e seis meses para Hugo Santos.
O furto das armas foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017, com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a recuperação de algum material sido feita na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a PJM em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
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