“Era importante haver uma investigação à parte interna, devia ter sido mais explorada a ligação com os militares que estavam de guarda naquela altura, se houve mais informação ou colaboração” para além daquela que o Ministério Público descreve, no despacho de acusação divulgado quinta-feira passada, defendeu António Faria de Menezes, em declarações à Lusa.

António Menezes era, à altura do furto, junho de 2017, o comandante operacional das Forças Terrestres, e demitiu-se em julho desse ano por discordar da decisão do ex-Chefe do Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte, de exonerar “temporariamente” os cinco coronéis comandantes das unidades que assumiam, rotativamente, a segurança dos paióis.

Admitindo que o estado degradado das instalações físicas, e a falta de meios humanos e materiais para a vigilância tornaram o paiol de Tancos “um alvo de oportunidade”, António Faria de Menezes disse que “nunca enjeitou” a sua responsabilidade, lembrando que após o furto propôs à hierarquia a demissão dos generais da estrutura superior do Exército e que Rovisco Duarte rejeitou.

Face ao despacho de acusação do Ministério Público, conhecido quinta-feira, António Menezes considerou que o mais relevante para o Exército é a parte que descreve o furto e o “modus operandi” do grupo que o realizou e lamentou que “o furto seja minimizado” face à “operação de recuperação do material”.

“Diz [o despacho] que houve um militar contratado, já de saída, [Filipe Sousa, um dos acusados pelo Ministério Público] que vendeu a informação sobre o estado dos paióis e participou no plano”, disse, referindo-se à descrição dos factos no despacho do Ministério Público.

António Menezes, que foi ouvido na comissão de inquérito que investigou no parlamento o caso, disse que foi ele a chamar a Polícia Judiciária Militar ao local quando o furto foi detetado e que “todos os que estavam na guarda, um oficial, um sargento e seis praças, foram identificados”.

“Fazendo fé na descrição do Ministério Público, [os autores do furto] entraram com carrinhos de mão, retiraram o material à vontadinha, numa zona em que até os grilos se ouvem, e não fizeram barulho, ninguém ouviu nada? Acho muito estranho”, disse.

De acordo com o despacho do Ministério Público, entre as 09:00 do dia 27 de junho de 2017 e as 09:00 do dia 28 não foi constituída qualquer patrulha pelo então comandante da guarda dos Paióis Nacionais de Tancos (PNT), do Regimento de Engenharia 1, que não ordenou qualquer ronda, informando os restantes militares de que ele próprio faria as rondas.

“Foram punidos [disciplinarmente, pelo Exército], mas era preciso saber porque é que as rondas não foram feitas, não as fizeram porque eram incompetentes ou displicentes ou por outra razão?”, questionou, afirmando que o despacho do Ministério Público não avança qualquer explicação e que, para o Exército, "será essencial conhecer os detalhes".

O general lembrou que o Exército puniu disciplinarmente militares, em janeiro de 2018, por não terem sido realizadas as rondas e por falsas declarações e questionou se o Ministério Público irá determinar alguma investigação sobre o motivo pelo qual não foram feitas.

Ainda quanto ao estado de degradação dos paióis, uma instalação crítica do Exército – desativada por ordem do anterior CEME, Rovisco Duarte – António Menezes considerou que “Tancos é uma nódoa negra mas que já tem 20 anos” e defendeu que o poder político deve refletir sobre as “as condições que os chefes militares têm para cumprir a sua missão”.

O despacho do Ministério Público acusa 23 arguidos, nove pelo roubo, descrito como assalto a Tancos, e 14 pela operação que levou ao “achamento” do material. O ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes é acusado de abuso de poder, denegação de justiça e prevaricação no "caso de Tancos" e proibido do exercício de funções.

José Azeredo Lopes é suspeito de envolvimento numa operação encenada pela Polícia Judiciária Militar para a recuperação do material, mediante um acordo de impunidade aos autores do furto.