Numa nota enviada às redações pelo gabinete do Ministério Público, esclarece-se que "na fase final do inquérito respeitante ao designado Processo de Tancos, foi equacionada a pertinência da inquirição como testemunhas do Presidente da República e do Primeiro-Ministro".

Para que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa fossem chamados, segue a missiva que o diretor do DCIAP, Albano Pinto, "foi inteirado pelos magistrados titulares do aludido inquérito sobre as razões que justificariam a realização de tais diligências, aferida à luz dos elementos de prova até então recolhidos".

Contudo, tais justificações não convenceram o diretor do DCIAP, que considerou que "tais inquirições não revestiam relevância para as finalidades do inquérito nem tão pouco se perfilavam como imprescindíveis para o apuramento dos crimes objeto de investigação, dos seus agentes e da sua responsabilidade."

Como tal, termina a nota dizendo que Albano Pinto considerou que "tais diligências não deveriam ter lugar" e que tal decisão "mereceu a anuência dos magistrados titulares".

Recorde-se que hoje foi sabido que a ex-PGR, Joana Marques Vidal, está entre as 112 testemunhas chamadas a depor, ao lado de nomes como António Martins Pereira, ex-chefe de gabinete de do antigo ministro da Defesa Azeredo Lopes, e o ex-chefe de Estado Maior General das Forças Armadas Artur Monteiro e ainda Rovisco Duarte, na altura Chefe Estado Maior do Exército.

Joana Marques Vidal relatou que, no dia em que se soube do reaparecimento de parte do material furtado, tentou por diversas vezes contactar o então diretor desta polícia, Luís Vieira, assim como Amadeu Guerra, à data diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), outra das testemunhas arroladas.

Segundo a acusação do processo, a ex-procuradora-geral da República Joana Marques Vidal foi responsável pela atribuição da investigação do furto e da encenação da recuperação das armas dos paióis de Tancos à Polícia Judiciária, contra a vontade do então diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), Luís Vieira, arguido acusado no processo.

A antiga PGR disse, a 19 de março, na comissão de inquérito ao caso de Tancos, que a PJM atuou de forma ilegal no processo que levou ao “achamento” do material militar furtado, em 2017.

A PJM “fez diligências” e prosseguiu uma “investigação criminal quando não tinha competência para isso”, pois “estava entregue à PJ [Polícia Judiciária]”, afirmou na comissão de inquérito.

O tenente-general João Cordeiro, ex-chefe da Casa Militar do Presidente da República, é outra das testemunhas que o MP quer ouvir após os procuradores terem concluído que recebeu e-mails de Luís Vieira sobre o caso.

"Resulta dos dados de tráfego do telemóvel de Luís Vieira que o mesmo enviou uma mensagem escrita (SMS) e falou, telefonicamente, algumas vezes, com João Cordeiro nos dias após a visita aos paióis de Tancos e no próprio dia do achamento (das armas furtadas)", adianta a acusação.

Os procuradores consideraram não terem indícios suficientes para acusar João Cordeiro de abuso de poder, mas que resulta do seu depoimento e de e-mails apreendidos indícios da prática de falsidade de testemunho, razão pela qual extraíram certidão para investigação.

Do rol de 112 testemunhas de acusação constam também vários militares do exército, nomeadamente Manuel Estalagem (PJM), Paulo Lopes dos Santos (PJM), João Belgalinha (PJM) e o coronel José António da Fonseca e Costa, ex-chefe de gabinete de Rovisco Duarte, além de elementos da GNR.

O deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro é outra das testemunhas que o MP quer ouvir em julgamento depois de este ter enviado e recebido mensagens de Azeredo Lopes sobre o furto e a recuperação do material de Tancos, a 18 de outubro de 2017, dia em que foi anunciado a recuperação das armas.

Os três procuradores do caso consideram que o depoimento destas 112 testemunhas é “absolutamente essencial para descoberta da verdade material”.

No final da investigação ao caso de Tancos, nove dos 23 arguidos foram acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais e os restantes 14, entre eles o ex-ministro Azeredo Lopes, da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento.

Os restantes 14 arguidos, incluindo militares da PJM e da GNR, um técnico do Laboratório da PJM e o ex-ministro da Defesa Nacional Azeredo Lopes, são suspeitos da encenação que esteve na base da recuperação de grande parte do material militar.

Estão todos acusados pelos crimes de favorecimento pessoal, denegação de justiça e prevaricação, sendo que os militares e o técnico do Laboratório estão também acusados, designadamente, por crimes de falsificação de documento, tráfico e mediação de armas e associação criminosa.