De acordo com a contestação da TAP à ação movida por Christine OUrmières-Widener, para contestar o despedimento, a que a Lusa teve hoje acesso, a companhia aérea alega que a ex-CEO “manteve, durante todo o período em que exerceu funções enquanto CEO das RÉS [TAP S.A. e TAP SGPS], um cargo de administradora que nunca revelou ou que mereceu o assentimento de qualquer dos seus acionistas ou de qualquer representante do Governo”.
Segundo o documento submetido pela defesa da TAP no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, a ex-CEO “é, desde 20 de dezembro de 2019, fundadora, acionista e administradora da empresa O&W Partners”, uma consultora de viagens e aviação com sede em Londres, Reino Unido, tendo só agora a companhia tomado conhecimento desta informação que Oumières-Widener “havia sonegado”.
Adicionalmente, o documento aponta ainda que a ex-CEO acumulou o cargo de administradora na ZeroAvia, empresa que está a desenvolver um sistema de propulsão a hidrogénio para a aviação, desde fevereiro de 2021 até ao momento, e também de administradora não executiva no MetOffice, instituto governamental do Reino Unido, entre fevereiro de 2021 e maio de 2023.
Neste último caso, Christine Ourmières-Widener teve uma remuneração anual de 15.000 euros.
“O exercício de qualquer um dos cargos mencionados supra viola manifestamente o regime de exclusividade que se aplicava à Autora [Christine OUrmières-Widener] enquanto CEO das RÉS, não se enquadrando, minimamente, em qualquer uma das exceções permitidas por lei”, refere a defesa da TAP.
Os advogados da companhia aérea alegam mesmo que, “independentemente das razões que levaram à destituição da Autora, esta sempre deveria ser destituída, com justa causa, por violação do regime de exclusividade aplicável aos gestores públicos com funções executivas”.
Na ação interposta em setembro, a ex-CEO exige uma indemnização de 5,9 milhões de euros, mas a contestação da TAP realça que, mesmo que Christine Ourmières-Widener tivesse sido despedida sem justa causa, só poderia receber, no máximo, uma indemnização no montante de 432.000 euros, uma vez que o Estatuto do Gestor Público, a que estava sujeita, apenas permite uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses.
Conforme refere o documento, a ex-CEO tinha uma remuneração base anual de 504.000 euros.
Christine Ourmières-Widener foi exonerada por justa causa, em abril de 2023, no seguimento da polémica indemnização de meio milhão de euros à antiga administradora Alexandra Reis, que levou à demissão do então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e do seu secretário de Estado Hugo Mendes, e à constituição de uma comissão parlamentar de inquérito à gestão da companhia aérea.
O conflito de interesses com empresa ligada ao marido
Os advogados da TAP acusam a ex-presidente executiva (CEO) de permitir uma situação de conflito de interesses com a empresa que contratou o marido e tentou prestar serviços à companhia aérea, causando “graves riscos reputacionais” à transportadora.
Segundo a contestação da defesa à ação judicial de Christine Ourmières-Widener, o marido da ex-CEO, Floyd Murray Widener, foi contratado para a empresa israelita Zamna três meses depois de Christine Ourmières-Widener ter assumido funções na TAP.
Os advogados apontam ainda que o marido da gestora foi contratado para o cargo de diretor de desenvolvimento comercial, apesar da formação na área da literatura e experiência profissional na área das telecomunicações e aluguer de espaços para eventos.
De acordo com o documento, um mês após assumir o cargo, Floyd Widener “já estava na TAP a fazer apresentações do produto para o vender” à companhia aérea, sendo que a sua passagem pela Zamna coincide praticamente com o mesmo período de tempo em que a gestora exerceu funções na transportadora aérea.
“Pode ser coincidência que um mês depois de ser contratado o marido da Autora [ex-CEO] já estar na TAP a fazer apresentações de produtos e, pouco depois, a implementar um projeto piloto, à revelia do Conselho de Administração. Mas tudo isto levanta a legítima suspeita de que o marido da Autora fora contratado pelo facto de a Autora ser CEO da TAP”, apontam os advogados, levantando a suspeita da eventual prática de “tráfico de influência, de oferta indevida de vantagem ou mesmo de corrupção”.
A defesa acrescenta que, mesmo que não se verifique a existência de crimes, a mera permissão de Christine Ourmières-Widener à situação de “manifesto conflito de interesses” é “inadmissível”, acusando ainda a gestora de colocar em causa a reputação da TAP.
A contratação da empresa representada pelo marido da ex-CEO só não avançou, alega a defesa, devido à intervenção da então administradora Alexandra Reis.
Os advogados apontam que esta decisão de Alexandra Reis, juntamente com a recusa em despedir o motorista que falou sobre o uso pessoal da viatura de serviço por familiares de Christine Ourmières-Widener, estão na base da “animosidade pessoal” da ex-gestora francesa relativamente a Alexandra Reis, que culminou no seu afastamento da companhia, e não o desalinhamento quanto à execução do plano de reestruturação, conforme alegado pela ex-CEO.
“Em concreto, a engenheira Alexandra Reis – tendo em melhor atenção os interesses das sociedades que administrava – obstaculizou (e muito bem!) duas situações em que a Autora se olvidou dos mais elementares deveres de gestão”, sustentam os advogados.
Quanto às negociações para a saída de Alexandra Reis, que acabou por acontecer acompanhada de uma indemnização de meio milhão de euros, a defesa da TAP aponta que Oumières-Widener “decidiu e executou, à revelia do seus colegas da administração, o que quis, como quis, quando quis, tendo provocado uma pura situação de facto consumado”, “assinando um acordo ilegal e para o qual não tinha poderes”.
(Notícia atualizada às 13h13)
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