“Antigamente, a nossa confiança era a nossa cara”, diz Dan Ariely, professor universitário nos Estados Unidos, que baseia as suas investigações no comportamento humano e na forma como a confiança nos outros afeta aquilo que fazemos.
“Imagina que vivias numa pequena aldeia há mil anos: se maltratasses uma pessoa, toda a gente ia ficar a saber. Em economia, há uma diferença naquilo a que se chama 'ganho único' e 'ganho repetido'. Ganho único é: se eu te conheço uma vez e nunca mais te vou ver, posso lixar-te porque não há consequências. Mas se nos vamos encontrar todos os dias até ao fim das nossas vidas, quero tratar-te bem”, explica Ariely ao SAPO24, no Porto.
Ariely foi um dos 15 oradores que estiveram este sábado na Alfândega para a décima edição do TEDxPorto, este ano dedicada à confiança. E confiar “é uma situação onde eu tenho um modelo mental daquilo que acordámos fazer e que, sem penalizações, sem uma imposição, eu acredito que tu vais continuar com a tua parte da equação”.
Porém, “isto torna-se muito mais interessante do que isso”, adianta o investigador. “Na maioria dos casos os nossos contratos não estão completos. Se eu te pedir para me pintares a casa, não estou a especificar de quantas camadas de cor vais precisar, não especifiquei que qualidade de materiais... E podemos encontrar algumas coisas pelo meio que não estão cobertas no nosso acordo”, diz. “Por isso, confiar é também dizer que vamos manter-nos dentro do espírito do acordo, em vez da sua letra.”
“Pensemos numa coisa como o casamento: quando te casas, não escreves um contrato muito específico. O contrato diz 'na saúde e na doença', e a ideia é que vamos descobrindo. Temos boas intenções muito abrangentes e a confiança é isso: é sentir o teu lado da obrigação e quando as coisas mudam, vais mudar com elas”.
Todavia, diz Ariely, apesar de esta confiança ser muito importante, a sociedade desistiu da confiança, substituindo-a por “cartas de entendimento” — “mas as cartas de entendimento nunca podem abarcar todas as nuances”.
“Imagina que tu e eu temos um acordo e combinamos que nos íamos encontrar aqui e conversar. E vamos dizer que estava a chover e tu estás cinco minutos atrasado. Eu podia dizer 'o contrato está anulado'... Mas esse não é o espírito do acordo. Por isso, confiança é quando ambos os lados aderem ao espírito da lei, em vez de à letra”.
“Se pensarmos nisso, claro que [aderir ao espírito e não à lei] é preferível. Porém, apesar de a confiança ter muitos benefícios, tem também muitas coisas más — e às vezes, com medo dessas coisas más, desistimos das boas”, conclui Ariely.
A sociedade moderna caminha cada vez mais para a perda de confiança: “vivemos em grandes comunidades, com muito anonimato”, diz. "Daqui surge um novo mecanismo: a reputação”.
“Pensa no Ebay: no Ebay posso vender uma vez a uma pessoa, outra vez a outra pessoa — e nunca vender duas vezes à mesma pessoa —; todavia, por causa da reputação, tenho de pensar na primeira pessoa de uma forma muito diferente, porque se eles me odiarem isso vai influenciar outras pessoas”.
“Se vires como o governo chinês está a fazer muitas coisas com a reputação. Tudo o que fazes na China é registado. É muito questionável, mas também incrivelmente importante.” Assim, “a reputação é uma forma de pôr as pessoas a pensar no longo prazo em vez de no curto. E a entrar numa mentalidade de ganho repetido”.
A reputação acaba, desta forma, por substituir as comunidades pequenas.
Ainda assim, como podemos tornar-nos mais confiáveis? Dan Ariely sugere publicidade. “Sempre que fazemos coisas de confiança, devemos comunicá-las, em vez de as fazer em privado.” Ou seja, devemos dar a entender que nos preocupamos com outros.
“Imagina”, diz Ariely, “pensa num consultor financeiro: se estiver sempre a dizer 'poupa mais, poupa mais, poupa mais', não vais saber se o diz por ele ou por ti — porque se poupares mais, a comissão dele será maior. No entanto, se um dia te disser: 'olha, e se pagares um bocadinho mais da tua hipoteca?’, está a mostrar que se preocupa contigo, porque tu podes tirar dinheiro das poupanças para outra coisa”.
“Há muitas ocasiões em que as pessoas fazem coisas pelos outros que não são apenas egoístas. Mas temos de as comunicar de uma melhor forma”, alerta o investigador israelo-americano.
Apesar disso, o panorama não é animador: “Temos um problema de confiança”, atira, taxativo. Há uma colina escorregadia por onde a confiança resvala. Caída no buraco, é difícil fazê-la tornar a subir: “temos uma colina a ir para baixo, mas não temos uma a subir. É assimétrico”, explica.
“Como sociedade, temos de ter muito medo destas colinas. Pensemos na erosão da confiança nos 'media' — há uma erosão de confiança, é inquestionável. E isto não vai melhorar sozinho, temos de dar passos muito importantes”, alerta. “Sempre que há um escândalo na política, há uma erosão para todos os políticos; sempre que há um escândalo com um médico, há uma erosão para todos.”
Porém, quando é ao contrário, não há ganhos: “quando um médico faz que é certo, não aumentamos a confiança, porque em geral notamos mais os maus comportamentos do que os bons”. “Quando vais a conduzir, prestas atenção aos que vão acima ou abaixo do limite de velocidade?”, questiona.
“Notamos mais nas pessoas que se estão a portar mal — e isso é parte da razão por que temos esta erosão na confiança”, afirma. Por isso, conclui, “temos de perceber quão importante a confiança e temos de fazer coisas para a reparar.”
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