Alexandre Botão esteve 25 anos a trabalhar numa redação. Agora, faz na Universidade do Porto um doutoramento em novos ‘media’. Na décima edição do TEDxPorto falou de como as ‘fake news’ minam a confiança no jornalismo de qualidade.

E controlá-las é impossível: “A gente tenta controlá-las, mas é como você tentar controlar água escorrendo pela sua mão. E quando eu digo a gente, não é só a sociedade, é a gente enquanto agentes de ação social, como por exemplo as redes sociais: todas as vezes que uma rede social tentar vender que ela é capaz de controlar notícias falsas, ela está mentindo.”

Dando como exemplo a rede de partilha de mensagens WhatsApp, Alexandre Botão reconhece que apesar de a empresa estar a tentar combater a proliferação de notícias falsas, “controlar é outro detalhe que é praticamente impossível”.

“O Whatsapp é criptografado de ponta a ponta, então, nem o próprio WhatsApp sabe o que tem ali dentro; eles não têm como saber o que é que eles estão controlando ou não; você tem a troca de bilhões e bilhões [milhares de milhões] de mensagens, onde as pessoas não têm a menor ideia do que tem ali, pode ter de tudo, inclusive notícias falsas”, disse o jornalista ao SAPO24.

A discussão em torno do assunto complica-se, diz Alexandre Botão, porque se misturam conceitos diferentes: “'Fake news' não é erro jornalístico; erro jornalístico é erro jornalístico. A maioria dos jornalistas sempre tenta acertar, às vezes a gente vai errar e aí a gente vai corrigir — isso é um erro jornalístico, isso não é 'fake news'. 'Fake news' é a invenção de uma notícia que não tem completa realidade.”

Acho inacreditável as vezes que muitas empresas jornalísticas erram e são incapazes de reconhecer o erro.

“A lisura com a qual se tenta publicar reportagens é séria, ela é real, a gente faz isso todos os dias, é um trabalho sério — e às vezes em condições não muito adequadas”, afirma o jornalista. “Nunca vi um jornalista não tentar fazer o melhor trabalho possível, mesmo sob condições adversas.”

“Logo, acho que não é o jornalista que tem um problema nessa história toda.”

“Existe um exército para tentar ferrar a nossa vida minutamente [a cada minuto]”. Um batalhão cria notícias falsas, exército que se alia a uma quebra de confiança: “as instituições perderam parte da confiança. As instituições jornalísticas, políticas. Existe uma perda de confiança generalizada na maioria das instituições que é preciso recuperar.”

A tarefa não é fácil, conta, porém, é urgente: “recuperar confiança é que nem ganhar confiança: demora tempo; não é do dia para a noite. É acertando, errando, reconhecendo o erro”.

“Acho inacreditável as vezes que muitas empresas jornalísticas erram e são incapazes de reconhecer o erro — e, aí, quem se beneficia das 'fake news', ou da onda de 'fake news’, qualquer notícia que saía diz logo 'não, isso é fake news' — e aí eles ficam distorcendo a definição, porque a definição não é essa, mas para eles [que beneficiam das fake news] é ótimo”.

“Tem muita gente se beneficiando das 'fake news' e só tem uma entidade prejudicada: a gente, nós sociedade. Todo o resto de beneficia — o poder público se beneficia, a celebridade se beneficia, o Cristiano Ronaldo se beneficia.”

Já sobre o jornalismo português, o jornalista diz que o ano e meio no Porto ainda não lhe permite análises profundas, no entanto, já percebeu que se trata de “um jornalismo apelativo, muito, muito focado nas suas certezas: o que é positivo e tem um lado negativo”.

Consigo olhar para cada jornal português e sei qual é a linha política dele.

“É positivo porque a sociedade precisa desse tipo de imprensa — se não é de acordo com o que você gosta, isso é outra questão, mas a gente precisa desse tipo de imprensa, tanto para um lado como para o outro”. Todavia, “certeza demais é um exagero também”, afirma.

“Mais do que no Brasil, [o jornalismo português] é mais escancarado sobre aquilo em que ele acredita. Mesmo com pouco tempo de Portugal, consigo olhar para cada site, para cada jornal e eu sei qual é a linha editorial/política deles, muito claramente. Mas isso é inclusive um reflexo da sociedade. Os portugueses são bem claros no que eles querem e acreditam e entendem, e a gente é mais flexível.”

1.300 pessoas estiveram este sábado na Alfândega do Porto para a décima edição do TEDxPorto, que contou com 15 oradores. Ao longo do dia as conversas rodaram em torna da confiança, seja a confiança nas marcas, nas notícias, na família — ou no próprio cérebro.