“A Terceira é uma terra de artistas e não é de agora. A arte sempre vibrou nesta terra independentemente de catástrofes naturais e de regimes políticos”, afirma, em declarações à Lusa, Frederico Madeira, que há mais de 10 anos participa em danças e bailinhos de Carnaval.
Este ano, estão previstos cerca de 70 grupos, entre danças de espada, danças de pandeiro, bailinhos e comédias, expressões de teatro popular, acompanhadas por momentos musicais, na maioria com textos de comédia, escritos em rima e com crítica social, que envolvem perto de 2.000 atores e músicos amadores.
Natural da Guarda, Frederico Madeira nunca gostou do Carnaval até se mudar, em 2004, para a ilha Terceira.
Os amigos arrastaram-no para uma das mais de 30 salas de espetáculos da ilha, que abrem portas, de sábado a terça-feira, aos grupos que lá queiram atuar, de forma gratuita, e ao público que assiste sem pagar bilhete.
“Acabei por passar a noite toda sentado nesse salão, a ver bailinhos e a comer a minha bifana”, conta.
Na primeira oportunidade, deixou o lugar de espetador e subiu ao palco, inicialmente como músico, hoje como ator e cantor.
“Eu não sabia muito bem tocar viola, mas quando me convidaram disse que sim. Tinha tanta vontade de ir que se me enfiassem uma pandeireta nas mãos ou uns ferrinhos eu ia na mesma”, revela.
Formado em filosofia e agente da PSP, Frederico Madeira é ator no grupo de teatro Alpendre, na ilha Terceira, tem vários projetos musicais e já participou num concurso televisivo.
Ainda assim, garante que a experiência de palco pouco o ajudou a adaptar-se a uma manifestação de teatro popular com “códigos diferentes” e uma linguagem que se quer capaz de chegar a um público dos oito aos 80 anos.
“Há uma noção, na minha opinião errada, de que um ator de teatro consegue fazer bailinhos de Carnaval na boa. Não, não consegue”, aponta, acrescentando que ainda hoje tem dificuldades em decorar textos rimados.
Há quem represente num bailinho de Carnaval “naturalmente, sem uma única aula de teatro”, e Frederico só tem pena de que muitos não tenham noção do talento que têm.
“Vejo músicos e atores fantásticos que só saem no Carnaval. E depois dão brilharetes e fazem-nos rir e às vezes chorar”, frisa.
Durante semanas, homens e mulheres de diferentes profissões, graus académicos e estratos sociais deixam de lado as diferenças e juntam-se em ensaios para levarem a palco um espetáculo que consiga arrancar gargalhadas e palmas a uma ilha inteira.
São os grupos que vão ao encontro das pessoas e chegam a fazer seis ou mais atuações em cada noite, pela madrugada dentro, nas salas espalhadas por toda a ilha.
“É como se costuma dizer, o que é por gosto não cansa. A gente nem se lembra das horas a passar”, salienta David Nunes, funcionário de um posto de recolha de leite e uma das personagens principais do bailinho dos “Rapazes das Doze Ribeiras”.
Não se descreve como ator e não se imagina a subir ao palco noutro contexto, porque diz não ter “jeito suficiente”.
“Nunca tinha representado na minha vida toda, mas as coisas começaram a sair e começámos a ficar com os nossos postos estabelecidos”, adianta.
Numa ilha pequena, há sempre quem o reconheça na rua e faça elogios ou críticas ao bailinho, mas David garante, em tom de brincadeira, que ainda não lhe pedem autógrafos.
Desde as peças de catequese que contracena com o amigo Davide Reis, tesoureiro no Centro de Saúde de Angra do Heroísmo e, desde 2012, presidente da Junta de Freguesia das Doze Ribeiras.
Também sem qualquer tipo de formação em teatro ou canto, Davide Reis não sabe explicar de onde vem o gosto pelo Carnaval da Terceira, nem o jeito para fazer rir.
“Sempre adorei bailinhos. Acordava de manhã já com os foguetes a estalar e dizia: mãe, vamos embora para a sociedade que já tem bailinhos”, recorda, acrescentando que ficava no salão até às 04:00 e 05:00 da madrugada.
Quando sobe ao palco, deixa a política de lado, mas sempre que pode brinca com a profissão.
“Acho que o que as pessoas gostam mais é quando eu próprio falo mal do presidente da junta das Doze. As pessoas gostam e, se calhar, até concordam”, conta.
Dino Rocha integrou igualmente a formação inicial do bailinho dos “Rapazes das Doze Ribeiras” e recorda que, no início, o público olhava com alguma desconfiança para a irreverência daquele grupo de jovens.
Durante quatro dias, despe o macacão de mecânico e veste a pele de músico e cantor, ainda que rejeite fazê-lo em qualquer outro cenário.
“A música não me enche barriga, por isso, opto mais pela minha profissão. Não tenho muito tempo”, explica.
Começou a participar no Carnaval há duas décadas, porque, na altura, faltava quem soubesse tocar violão na freguesia, mas hoje não se imagina sentado na plateia.
“Só cansa quando chega à terça-feira, ao final das atuações, mas na quarta-feira já estamos com saudades do Carnaval”, garante.
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