Segundo revelou hoje a Câmara de Arouca, distrito de Aveiro, o documento assinado por Mafalda Sanches de Portugal (1195-1256) estará em exibição por seis dias na Biblioteca Memorial D. Domingos de Pinho Brandão, no Mosteiro de Arouca, onde essa neta de D. Afonso Henriques e filha de D. Sancho I e D. Dulce de Aragão viveu os últimos anos da sua vida e foi sepultada.
No século XVII, o túmulo foi aberto duas vezes e em ambas o corpo e vestes da monarca foram encontrados incorruptos, o que levou à sua beatificação pelo Papa Pio VI em 1793 e incentivou o seu culto como santa e padroeira de Arouca, cujo mosteiro, classificado desde 1910 como Monumento Nacional, deixou em herança à Ordem de Cister.
O testamento estabelece, contudo, não apenas a transferência dos bens que possuía em Arouca, mas também o destino a dar aos outros mosteiros de que era proprietária, como os de Santo Tirso e Alcobaça. É o relevo e dimensão desse património que justifica que, após a extinção das ordens religiosas, o documento tenha saído de Arouca em 1854 e confiado ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo pelas mãos do escritor, historiador e jornalista Alexandre Herculano, então comissário da Academia Real das Ciências.
Para a presidente da Câmara de Arouca, Margarida Belém, todo esse contexto histórico comprova a importância do documento que, juntamente com grande parte do arquivo do mosteiro local, está na Torre do Tombo desde que os bens das ordens religiosas portuguesas foram integrados na Fazenda Pública.
“É um momento histórico este em que, 170 anos depois de ter sido levado por Alexandre Herculano, o testamento da rainha Santa Mafalda regressa a Arouca e ao mosteiro onde a monarca e monja se recolheu e permaneceu até à sua morte”, declarou a autarca.
Nessa perspetiva, a exposição na biblioteca do mosteiro constitui “uma oportunidade única para os arouquenses e não só observarem um documento de elevado interesse para a História de Portugal, já que Mafalda Sanches deixou a Arouca um grande legado, que, até aos dias de hoje, muito contribui para destacar este território no mapa da história política e religiosa de Portugal”.
Datado de 1256, o testamento apresenta-se em pergaminho escrito em latim, com letra gótica semicursiva. Dentro de uma bolsa em seda lavrada de cor-de-rosa, está integrado num caderno com encadernação em carneira vermelha, com ferros a ouro, corte dourado, guardas em papel de fantasia e atacas de seda tricolor, dispostas em vermelho, verde e branco por uma lombada de seis nervuras.
No início do documento, pode ler-se: “Eu, rainha D. Mafalda, com a minha plena razão e prevendo o meu fim, faço este meu testamento ou manda. Em primeiro lugar, ordeno que o meu corpo seja sepultado no mosteiro de Arouca e mando às donas e monjas que aí servirem a Deus, na Ordem Cisterciense, toda a minha herdade de Bouças com o seu mosteiro, […] que me deram e deixaram o meu pai e a minha mãe. (…) Igualmente mando o colchão maior do meu leito e pulvinar de frouxel para que sejam divididos e posteriormente transformados em colchões para a enfermaria (…) e proíbo, sob a bênção ou maldição das ditas relíquias, que nenhum abade ou abadessa, nenhum homem ou mulher, as possa alienar, repartir, transferir ou retirar do mosteiro de Arouca”.
A exposição do testamento integra o programa do evento “Arouca – História de um Mosteiro” que, de 12 a 17 de julho, propõe atividades sob o mote “Retratos do Barroco” e, de 19 a 21, integra uma recriação histórica sobre a vida das monjas cistercienses.
Para os dias dedicados aos “Retratos do Barroco” estão previstas iniciativas como visitas encenadas ao mosteiro, concertos, um jantar de época, oficinas de pregões e paleografia, o lançamento do livro de Afonso Veiga “Cister nos séculos do fim – Santa Maria de Arouca, do esplendor à decadência” e uma conferência com Orlando Trindade sobre “A história da evolução dos cordofones em Portugal – dados sobre a sua evolução histórica e processos de conservação e restauro”.
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