Os cerca de 10 quilómetros de passadiços, primeiro, e, bem recentemente, a classificação como monumento nacional, enquanto paisagem cultural evolutiva viva, tiraram do anonimato a até aqui pacata aldeia do Sistelo, em Arcos de Valdevez, que agora vive dias agitados com a crescente “invasão” de turistas.
“Dantes não se passava nada, mas agora é uma coisa nunca vista. Ainda no domingo era aqui gente que eu sei lá”, atira a 'tia' Amélia, dona de uma típica tasquinha instalada bem no coração do Sistelo.
Para dar vazão à procura, está a remodelar e a ampliar o estabelecimento, que outrora foi mercearia e que agora funciona como café, mas também como restaurante, servindo petiscos e refeições.
“O problema é que nunca mais me acabam o ‘diacho’ das obras”, queixa-se, numa altura em que na tasquinha entra mais um grupo de turistas, desta vez espanhóis.
Localizada nos limites do Parque Nacional da Peneda-Gerês e conhecida como o “pequeno Tibete português”, devido aos seus socalcos, a aldeia do Sistelo tem cerca de 270 habitantes e é iminentemente rural.
Mais de 70 por cento da população, garante o presidente da Junta, tem mais de 60 anos e habitantes com menos de 10 anos são apenas três.
O gado anda à solta pelos montes da freguesia e, volta e meia, decide “passear” calmamente pelo meio das estradas, habituado que está à falta de trânsito.
Mas aquele é um “passeio” que nos últimos dois ou três anos se tornou mais arriscado, já que Sistelo começou a ser uma das prioridades dos roteiros turísticos dos amantes da natureza, desde logo por causa dos cerca de 10 quilómetros de passadiços, integrados na ecovia do Vez.
O risco aumentou depois de, em finais de 2017, em pleno hospital, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ter promulgado o diploma que classifica Sistelo como monumento nacional, enquanto paisagem cultural.
Sistelo foi, assim, assolada por uma espécie de “surto turístico”, que obrigou a aldeia a “medidas de contingência”.
Além da 'tia' Amélia, também o padre Bruno decidiu colaborar, tendo cedido a residência paroquial para ali ser instalado um restaurante, que abre no próximo sábado.
“Até as minhas missas passaram a ter mais gente e a serem mais animadas?”, refere o jovem pároco.
A falta de unidades de alojamento é uma das lacunas que a crescente procura turística pôs a nu.
No total, diz o presidente da Junta, há meia dúzia de alojamentos, com oito camas.
“Mas há já muita gente a manifestar interesse de investir aqui nessa área”, assegura Sérgio Rodrigues.
Paralelamente, ao abrigo de uma candidatura ao programa Valorizar, no valor de 250 mil euros, a Casa do Castelo está a ser transformada em centro interpretativo da paisagem cultural, para acolher os turistas e os “guiar” para os vários recantos da aldeia, e um velho moinho está a ser recuperado.
À espera de aprovação, está mais uma candidatura, de 180 mil euros, para juntar mais meio quilómetro aos passadiços, dar nova vida a uma eira com 31 espigueiros, requalificar um miradouro e construir um parque de merendas.
“Temos de fazer pela vida e aproveitar a nossa galinha dos ovos de ouro. Se os turistas nos procuram, há que saber prendê-los e fidelizá-los”, remata o presidente da Junta.
Em Sistelo, nas fraldas do Parque Nacional da Peneda-Gerês, o balir e o mugir ainda são os sons mais ouvidos, mas o roncar dos motores dos automóveis já lhes começa a fazer concorrência.
Os mais velhos – a 'tia' Amélia é uma das poucas exceções - olham com alguma perplexidade para a violação da pacatez da aldeia, mas os jovens encaram a nova realidade como uma oportunidade para construírem o seu futuro na terra que os viu nascer.
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