Em declarações à margem da Greve Feminista Internacional e da Marcha do Dia Internacional da Mulher, a ativista explicou um dos pontos essenciais da concentração que reuniu cerca de 200 pessoas na Praça dos Poveiros e que depois rumou à Praça D. João I.
“Queremos que todas as políticas em relação a elas sejam com elas e não [feitas] por homens que estão no governo e até mulheres do mesmo governo que nunca estiveram na situação delas. Há muitas histórias diferentes entre as mulheres trabalhadoras do sexo, umas são-no por opção e outras não. Queremos que elas tenham o direito de sair se esse for o seu desejo e de permanecer se for essa a sua vontade. Mas com políticas a serem feitas em comunidade. Queremos que o parlamento as ouça, sem julgamento, sem todos os insultos que normalmente ouvimos”, disse Catarina Barbosa.
Entre as exigências hoje ouvidas estão o fim do trabalho precário, salário igual para trabalho igual, o aumento generalizado dos salários que acompanhe a inflação e o congelamento dos preços dos combustíveis, dos bens essenciais e da habitação.
Mais formação LGBT+ para os profissionais de saúde, o fim das penas suspensas e da impunidade dos agressores e maior uso de medidas de afastamento e de detenção, a existência de gabinetes de apoio à denúncia do assédio nas instituições de ensino e nos locais de trabalho, bem como a valorização da Escola Pública, que garanta um ensino de qualidade e que esteja comprometida com as agendas políticas da igualdade, da sustentabilidade e dos direitos humanos, em suma “a verdadeira e efetiva emancipação”, defendeu.
Reconhecendo avanços se a história for “olhada como um todo”, a ativista recordou, contudo “retrocessos e coisas que parecendo andar para a frente na realidade não andam, como a questão do aborto, que já foi legalizado há vários anos em Portugal e continuam a haver clínicas públicas a recusar as mulheres para fazer o aborto”, apontando o dedo aos “centros de saúde e hospitais que dizem aquele não é o lugar para o aborto”.
“Temos direitos conseguidos, mas existem forças políticas a crescer que põem os nossos direitos em causa, bem como de pessoas LGBT+, temos de lutar todos os dias para conquistar os nossos direitos e não perder os que já temos”, disse.
Presente na concentração, o sociólogo João Teixeira Lopes fez à Lusa uma síntese da situação da mulher em Portugal, classificando-a como o “resultado de uma evolução positiva, mas ainda assim lenta, insuficiente e inacabada”.
“Se olharmos hoje para a sociedade portuguesa veremos que as mulheres têm mais portas abertas, mas que a disparidade salarial continua a ser grande, que a sobrecarga nas tarefas domésticas continua a ser enorme e que o cuidar dos filhos e dos idosos continua a ser quase uma exclusividade das mulheres que, com isso, são muito prejudicadas”, assinalou o professor universitário.
Contribui para este contexto, continuou João Teixeira Lopes, “um recrudescimento do machismo e do ódio em relação às mulheres”, algo que se “pensava ultrapassado definitivamente e que é um alerta […] pois existem regressões na violência contra as mulheres, no ódio, num extremismo que, infelizmente, está a florescer”.
“Não podemos deixar de identificar e de criticar todos os discursos de exclusão, de ódio, de dominação e sabemos que numa sociedade ainda patriarcal e machista alguns homens têm um papel que merece ser questionado, desafiado e criticado”, continuou.
Questionado se quase meio século de democracia em Portugal não chegou para dar paridade à mulher na sociedade, João Teixeira Lopes respondeu: “A democracia fez o seu papel, mas Portugal tem essa característica: fizemos mudanças, algumas até muito aceleradas, fizemos muito mais rapidamente que alguns países a integração das mulheres no mercado de trabalho e na escolaridade, mas a nossa modernidade é inacabada, precisa de ser a todo o momento modernizada mais densa, mais inclusiva e completada”.
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