Os bloqueios de estradas com tratores que se verificam um pouco por toda a Europa, em países como Alemanha, França, Bélgica, Itália, Polónia e Roménia, são motivados por questões diversas, como cortes nos subsídios agrícolas e receitas cada vez menores num contexto já desafiante de subida da inflação e dos preços da energia, mas a ira da maior parte dos agricultores europeus parece dirigida a Bruxelas, que acusam de lhes impor medidas ambientais com altos custos e sobrecarregadas de burocracia, em nome da ‘transição verde’.

Muitos dos agricultores também se insurgem contra o que consideram ser uma concorrência desleal e um mercado desequilibrado, em que são importados bens de países terceiros a baixos preços, manifestando-se designadamente contra a entrada de cereais e outros produtos agrícolas da Ucrânia e contra acordos de livre comércio como aquele que deveria ser ratificado em breve entre a UE e os países do Mercosul, cada vez mais ‘condenado’ face ao ‘levantamento’ que se verifica atualmente.

A pouco mais de quatro meses das eleições europeias, agendadas para o início de junho, muitos responsáveis políticos buscam compromissos para tentar travar a ira dos agricultores, como é o caso do chanceler alemão Olaf Scholz e do Presidente francês Emmanuel Macron.

Contudo, os partidos populistas e da extrema-direita, que se têm ‘colado’ aos protestos — aconteceu com o AfD na Alemanha e com a União Nacional de Marine Le Pen em França -, parecem estar em situação privilegiada para tirar dividendos do descontentamento de um setor com muito peso na Europa: o número de agricultores no bloco comunitário é estimado em 9 milhões.

Enquanto antes eram sobretudo os setores mais à esquerda do espetro político que apoiavam a luta dos agricultores, desta feita são partidos populistas e de extrema-direita que estão a associar-se mais aos protestos, e os seus constantes ataques às reformas ambientais ligadas ao Pacto Ecológico Europeu — que era a grande ‘bandeira’ da Comissão Europeia liderada por Ursula von der Leyen -, está também a levar forças políticas tradicionais a ‘reposicionarem-se’, para evitar a fuga de votos.

Um exemplo evidente é o da própria família política de Von der Leyen, o Partido Popular Europeu (PPE), grupo conservador de centro-direita, que tem vindo a aumentar a sua oposição ao Pacto Ecológico e contesta a proibição da venda de carros novos com motores de combustão a partir de 2035, e também o liberal Emmanuel Macron, que rejeita o acordo UE-Mercosul assinado há quatro anos e que até já conseguiu incluir um debate sobre a política agrícola na agenda do Conselho Europeu de quinta-feira, onde defenderá o fim do pousio obrigatório.

A primeira vaga de protestos mais veementes e organizados data já de 2019 e verificou-se nos Países Baixos, com analistas a considerarem que a Holanda foi uma espécie de ‘embrião’ daquilo que alguns já chamam de “populismo agrário”. Nesse caso, a rebelião foi motivada por exigências governamentais de redução da produção animal para metade, a fim de reduzir as emissões de óxido de azoto.

Na primavera do ano passado, as estradas da Polónia, que um ano antes haviam estado cheias de voluntários que acolhiam refugiados ucranianos e eram um dos “corredores solidários” criados pela UE para o escoamento de produtos agrícolas da Ucrânia, face à agressão militar russa, acolheram os primeiros bloqueios de tratores de agricultores polacos, num protesto contra a liberalização das importações da Ucrânia com as quais não conseguiam competir, e que se foi estendendo a outros vizinhos da Europa de Leste.

Mais recentemente, a Alemanha também experimentou uma grande mobilização de agricultores, embora neste caso se trate de um protesto de cariz mais nacional, dado a indignação ter sido causada pelo anúncio, em dezembro passado, de uma redução nas subvenções e em particular a eliminação de benefícios fiscais sobre o gasóleo agrícola.

Em França, os protestos têm-se multiplicado desde o outono por todo o país, neste caso em boa parte contra a política agrícola europeia e o fardo da transição verde — as principais reivindicações prendem-se com melhor remuneração para os seus produtos, menos burocracia e proteção contra as importações -, e já passaram mesmo a fronteira e chegaram à Bélgica.

Vários analistas consideram provável que o movimento de contestação continue a alastrar-se pela Europa, designadamente ao sul, e na terça-feira os maiores sindicatos agrícolas espanhóis anunciaram que se vão juntar ao movimento de revolta dos agricultores europeus, com uma série de mobilizações em todo o país durante as próximas semanas, em protesto contra a “burocracia sufocante gerada pelos regulamentos europeus”.

Face a uma rebelião que parece estar para durar, a Comissão Europeia lançou já um “diálogo estratégico” sobre o futuro da agricultura no bloco comunitário, e, com os líderes europeus reunidos esta semana em Bruxelas, o tema será certamente abordado na cimeira de chefes de Estado e de Governo da UE, que tem em mãos mais uma ‘batata quente’ já em contagem decrescente para as eleições europeias (06 a 09 de junho), nas quais a direita radical espera obter o seu melhor resultado de sempre, agora também aproveitando a ‘boleia’ dos tratores.