Segundo o acórdão a que a agência Lusa teve acesso, os juízes do Tribunal Constitucional concluem que o regime especial de preferência “sacrifica excessivamente o direito à livre transmissibilidade do prédio, sem satisfazer o objetivo da estabilidade habitacional”.
“Trata-se, pois, de uma intervenção legislativa que, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, não se encontra numa relação proporcional ou razoável – de justa medida – com os fins prosseguidos”, defende.
A nova lei, que visava o “exercício efetivo do direito de preferência pelos arrendatários na alienação do locado”, foi promulgada pelo Presidente da República em 12 de outubro de 2018, após a apresentação de uma segunda versão do diploma pelo parlamento, na sequência do veto presidencial da primeira versão.
No final de outubro de 2018, CDS-PP e PSD apresentaram o pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade do diploma, no caso, o n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, considerando o então líder parlamentar centrista, Nuno Magalhães, que as normas que tinham entrado em vigor violavam “princípios constitucionais fundamentais previstos na Constituição da República Portuguesa”, nomeadamente o direito à propriedade privada, os princípios da proporcionalidade e o direito à justa indemnização.
Esta norma refere que, “no caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma”, a exercer em determinadas condições.
Após esta declaração de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional agora conhecida, o BE já anunciou, à agência Lusa, que vai voltar a apresentar o projeto original que tinha entregado na Assembleia da República e que desencadeou o processo legislativo, “incluindo a referência à divisão prévia em propriedade horizontal, que acabou por não vingar no processo parlamentar”.
"Esta é uma decisão incompreensível, porque parece sobrepor os interesses dos proprietários, na esmagadora maioria dos casos fundos imobiliários que promovem a especulação, ao princípio constitucional do direito à habitação. Mas o Tribunal Constitucional dá também a entender que, se existir a divisão prévia em propriedade horizontal, estarão ultrapassados os problemas de constitucionalidade”, refere a deputada bloquista Maria Manuel Rola.
De acordo com a decisão dos juízes, “a intervenção na propriedade excede a medida constitucionalmente adequada da vinculação social”.
“Chegamos assim à conclusão, e decerto não podia ser outra, de que a possibilidade da preferência numa quota do prédio não permite alcançar os objetivos que estão na sua base, pois dessa forma o inquilino não acede de imediato à propriedade da habitação, nem se consegue eliminar a eventual especulação imobiliária”, considera o Tribunal Constitucional.
Segundo o acórdão, “a transformação do arrendatário em comproprietário pode criar uma situação de maior ‘instabilidade habitacional’”.
O Tribunal Constitucional considera que a norma viola o artigo 62.º da lei fundamental do país, o qual diz que “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte”, conjugado com o n.º 2 do artigo 18.º. Este último refere que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Esta decisão do Tribunal Constitucional não foi tomada por unanimidade e teve votos vencidos de três juízes que apresentam uma declaração de voto – além de um quarto voto vencido de um juiz que, entretanto, cessou funções - ficando sem efeito a lei.
A segunda versão da lei, agora declarada inconstitucional, foi aprovada em 21 de setembro de 2018 pela Assembleia da República, com votos contra de PSD e CDS-PP e a favor de PS, BE, PCP, PEV e PAN, introduzindo as propostas do PS e do PSD relativamente ao requisito de “local arrendado há mais de dois anos”, para que os arrendatários possam exercer o direito de preferência em caso de compra e venda ou dação das habitações.
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