Esta foi pelo menos a impressão que ficou em duas portuguesas que sentiram em casa – em zonas distintas da cidade – os estragos provocados pelas rajadas de vento do Hato, que chegaram a superar 200 quilómetros por hora, feito inédito desde que há registos.
A passagem do Hato por Macau teve lugar na quarta-feira na véspera da partida – definitiva – de Luciana Leitão para Portugal. “Claramente não estava à espera de, passados dez anos a apanhar com tufões em cima, ver um que realmente tivesse um impacto tão grande”, afirmou a jornalista à Lusa, na noite de quinta-feira, ao telefone, quando estava a caminho do aeroporto de Hong Kong.
Também Diana Barbosa acordou “a julgar que seria um tufão como os habituais”, até foi discutindo com os colegas de casa planos para passar o dia, uma vez que normalmente quase ninguém tem de ir trabalhar quando é içado o sinal 8 (numa escala máxima de 10).
Sem qualquer antecipação, tudo mudou. “Muito rapidamente – acho que foi a sensação que toda a gente teve – houve uma grande reviravolta (…) e começámos a tomar medidas que podiam ter sido tomadas com antecedência”, descreveu a arquiteta, há quatro anos a viver em Macau.
Em poucos minutos, as janelas começaram a tremer violentamente: “Só tivemos tempo de nos afastar e correr para uma zona protegida da casa, corredores e casas de banho, quando as ouvimos a estalar, mas a estalar a um nível em que tudo saltou e foi sugado. Os colchões, os estendais, as cadeiras, sofás – foi tudo levado e trazido novamente” pela força do vento.
“Foi uma sensação de medo, de impotência, de tentar aceder aos meios de comunicação”, com “tudo em andamento dentro de casa” e sem eletricidade, disse Diana Barbosa.
“O mais aflitivo foi que queríamos contactar com alguém e não havia qualquer referência sobre algum ponto de encontro para onde ir – como acontece, por exemplo, em terramotos – ou um número para ligar, porque os sinais de emergência estavam assoberbados de chamadas”, recordou a arquiteta, residente na Taipa.
A falta de informação também foi destacada por Luciana Leitão: “O que se passou foi grave - não havia comunicações. A informação era muito dispersa e escassa”, afirmou, recordando que com o apagão também deixou de poder ver televisão e, portanto, de acompanhar a evolução do tufão.
“A determinada altura, houve uma sensação – acho que um pouco generalizada – de que estávamos um bocadinho por nossa conta. Estávamos um bocadinho assustados com a dimensão e a gravidade, que nunca tínhamos visto, e sem perceber exatamente o impacto”, acrescentou.
Luciana Leitão também chegou a ter “a nítida sensação” de que os vidros das janelas se iam partir todos e que “a casa parecia que ia rebentar”. “Felizmente não aconteceu nada tão grave”, disse, à exceção de um vidro no quarto e da varanda que ficou completamente destruída.
Na zona onde a jornalista morava – a Barra – que é frequentemente vítima das tempestades tropicais, o cenário era “devastador”. “Em dez anos nunca vi uma coisa daquelas”, afirmou, lembrando “carros praticamente submersos” ou “a praceta junto ao Templo de A-Má completamente inundada”.
Sozinha, com os dois gatos, “também assustados”, Luciana Leitão viveu a véspera do adeus a Macau sem água e sem eletricidade. Sem elevadores, num prédio de 18 andares, subiu e desceu escadas várias vezes.
“Foi mesmo duro!”, exclamou a jornalista que, ainda assim, durante a ‘empreitada’ de descer com as malas de quem vai embora de vez, arranjou “um esquema com um amigo” para facilitar a tarefa: atou o cinto à mala e arrastou-a escada abaixo.
Luciana Leitão foi, mas Diana Barbosa ficou e com muito para tratar.
“Ficámos sem janelas”, disse a arquiteta, dando conta de que se partiram seis (quatro em dois quartos e duas na sala) e que outras duas estão “meio dentro, meio fora de casa”, que “duas portas foram arrancadas por completo” e que “até reboco foi arrancado da parede com a força do vento”, entre outros estragos, entretanto comunicados à senhoria.
Diana Barbosa não teve problemas em dormir sem janelas, mas recorda uma amiga que teve. “Ela dizia que lhe fez impressão e que não conseguia pegar no sono por causa da sensação de vazio. Percebo exatamente, porque senti o mesmo quando fui para o trabalho” no dia a seguir.
“Era um silêncio. Tudo sem ninguém, árvores caídas na rua e o ruído de sirenes ao longe. Parecia quase cinematográfico, não parecia real”, recorda.
O tufão Hato fez dez mortos, segundo o mais recente balanço.
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