Cerca de 58 milhões de eleitores decidem sobre a aprovação ou rejeição das reformas constitucionais destinadas a substituir o sistema parlamentar – a base em que assenta uma instável democracia secular – por um regime presidencialista, eliminando o cargo de primeiro-ministro e transferindo os seus poderes para o chefe de Estado.
Na reta final da campanha as sondagens mais credíveis indicavam que o “sim” e o “não” ao novo sistema presidencialista estavam praticamente empatados, com alguns estudos de opinião a referirem-se a apenas meio ponto percentual de diferença.
A vitória do “sim” permitiria ainda concretizar 18 reformas constitucionais que dão ao Presidente o poder para designar ministros e altos responsáveis oficiais, nomear metade dos membros da mais alta instância judicial do país (HSIK), declarar o estado de emergência e emitir decretos.
Para os apoiantes do Presidente Recep Tayyip Erdogan, o mentor desta consulta eleitoral, as alterações à Constituição visam introduzir a estabilidade que o país necessita. Os opositores receiam que apenas signifique mais um passo em direção a um regime autocrático controlado pelo atual “homem-forte” da Turquia.
Erdogan, que reforçou o seu poder na sequência do fracassado golpe de Estado de julho de 2016 – com a imposição do estado de emergência, ainda em vigor, uma vasta purga no aparelho de Estado e repressão sobre a oposição curda e de esquerda – esteve na linha da frente da defesa do voto pelo “sim” e assegura que o novo sistema irá impedir governos fracos, simplificar a burocracia e trazer mais prosperidade ao país de 80 milhões de habitantes.
No entanto, a repressão contra o movimento “gulenista” – acusado de ter fomentado o golpe do verão passado e que implicou a detenção de diversos empresários –, o envolvimento na guerra civil síria, com o afluxo de 2,8 milhões de refugiados que atravessaram a fronteira comum, o regresso do conflito ao Curdistão turco e os atentados bombistas que afetaram o turismo, para além do temporário embargo da Rússia, implicaram alarmantes sinais na economia.
A taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi negativa no terceiro trimestre de 2016 (-1,6%) e pela primeira vez desde 2009. Em contraste, o PIB tinha aumentado em média 5% por ano entre 2002 e 2015 e o país tinha absorvido rapidamente o choque da crise mundial de 2008. O investimento estagnou em 2016, a taxa de desemprego aumentou para 11,7% em outubro e a moeda local caiu para níveis históricos.
Este cenário não demoveu Erdogan, 63 anos, de tentar impor o sistema presidencial, apesar das crescentes críticas internas e externas e de um súbito aumento da tensão diplomática com a União Europeia, em particular com Berlim e Haia.
Primeiro-ministro durante 11 anos, desde 2003 e um ano após o seu islamita-conservador Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, no poder) ter garantido a primeira maioria absoluta, foi eleito Presidente em 2014 para um mandato de cinco anos e registou uma atividade política muito mais visível que os seus antecessores, apesar de a Constituição ainda lhe conferir uma função neutral.
Erdogan argumenta que foi o primeiro presidente da Turquia a ser diretamente eleito por sufrágio universal – na República fundada por Mustafa Kemal Tatatürk em 1923 os chefes de Estados foram eleitos até 2014 pelo parlamento –, possuindo dessa forma uma legitimidade que os seus predecessores não podiam reivindicar.
Entre os quatro partidos no parlamento, e para além do AKP (maioria relativa após as legislativas de novembro de 2015), apenas os populistas de direita do Partido de Ação Nacionalista (MHP) decidiram apoiar as emendas que vão ser referendadas, apesar de fortes divisões internas.
Caso o “sim” vença no referendo de domingo, Erdogan vai limitar-se a legalizar o poder quase absoluto que na prática já possui.
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