“Todas as movimentações das forças russas estão a acontecer no território nacional e no quadro dos exercícios militares planeados, inclusive com os nossos aliados bielorrussos”, disse o diplomata russo, indicando que “o Presidente Vladimir Putin, o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, várias vezes sublinharam que acabados os exercícios, o que acontecerá no curto prazo, todas as forças que neles participam voltarão às suas localizações permanentes”.

Mikhail Kamynin salientou que estes exercícios regulares “aliás realizam-se não só nas regiões ocidentais da Rússia, mas também orientais, no Pacífico, no mar Cáspio, etc.” e que serão concluídos “já nos próximos dias”.

“Por exemplo, os exercícios conjuntos com a Bielorrússia terão fim a 20 de fevereiro”, precisou.

Questionado pela Lusa sobre se o número de militares russos concentrados ao longo da fronteira da Rússia com a Ucrânia nos últimos meses é realmente próximo de 140.000 soldados, como têm apontado os países membros da NATO (Organização do Tratado do Atlântico-Norte), Kamynin reiterou o que disse o Governo russo: que o Ocidente teve uma “reação histérica” aos acontecimentos na Ucrânia e junto das suas fronteiras e que “a informação que circula no espaço mediático sobre o número de efetivos que participam nestes exercícios não tem nada que ver com a verdade”.

“É no mínimo estranho que os organizadores bem conhecidos da campanha de desinformação contra a Rússia nunca tenham mencionado que Kiev deslocou cerca de 130 mil militares para junto das suas fronteiras orientais”, observou ainda.

O embaixador russo insistiu também que “o caso ucraniano é só um elemento, embora importante, da atual situação de tensão”, recordando que em meados de dezembro de 2021, a Rússia, “empenhada na resolução diplomática dos problemas que surgiram, propôs aos Estados Unidos e à NATO que fosse discutida a possibilidade de elaborar novos parâmetros de garantia da paz e estabilidade na região e de assinar os respetivos acordos bilaterais que tomariam em consideração as preocupações legítimas da parte russa quanto à sua segurança”.

O diplomata refere-se às exigências feitas pelo Kremlin para reduzir a ameaça de conflito na região de que a Aliança Atlântica se comprometesse a não proceder a um alargamento a leste, não aceitasse a adesão da Ucrânia e que os destacamentos militares ocidentais retrocedessem até às fronteiras de 1997.

“Mas, infelizmente, os Estados Unidos e os seus aliados na NATO rejeitaram esta forma de trabalho conjunto e optaram por continuar a escalada mediática da situação em torno da Ucrânia e alegada concentração excessiva das forças russas junto das suas fronteiras orientais. O objetivo é bem visível – menosprezar as propostas construtivas de Moscovo e continuar a política destinada a detê-las”, sustentou.

Quanto à situação na região ucraniana de Donbass, onde as repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk pretendem o reconhecimento de Moscovo, o diplomata russo em Lisboa esclareceu que, embora a moção aprovada pelos deputados da Duma, favorável a tais pretensões separatistas, “reflita o que prevalece na opinião pública russa”, essa questão só “pode ser resolvida exclusivamente através da aplicação dos acordos de Minsk, que preveem o diálogo direto de Kiev com Donetsk e Lugansk”, e dos quais “a Rússia não faz parte”.

“A tarefa de todos os patrocinadores do regime de Kiev é levar à mesa de conversações, e não inundar a Ucrânia com armas”, defendeu.

“Como foi aparente nas recentes conversações em Moscovo do Presidente Vladimir Putin com o seu homólogo francês, Emmanuel Macron, e o chanceler alemão, Olaf Scholz, Paris e Berlim têm o entendimento claro da importância da realização na prática deste cenário”, rematou o embaixador russo em Portugal.

Moscovo aguarda ainda resposta de países da UE à sua carta

“Sabemos bem que nem todos os membros da União Europeia (UE) estavam de acordo com esse procedimento (resposta coletiva). Mas foi o que foi. Moscovo continua a esperar uma resposta de caráter nacional, sendo que todos os compromissos quanto à segurança na Europa foram assumidos por estes países individualmente”, sublinhou o embaixador.

“Continuaremos os esforços para iniciar conversações diplomáticas sobre a segurança na Europa com os Estados Unidos e a NATO (Organização do Tratado do Atlântico-Norte) assentes nos princípios consagrados na Carta sobre a Segurança Europeia de 1999, na declaração da cimeira da OSCE (Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa) em Astana (2010), na Ata Fundadora Rússia–NATO de 1997 e noutros documentos relevantes”, acrescentou.

Questionado pela Lusa sobre se pensa que Portugal tem sido subserviente nesta questão em relação aos países maiores da NATO, o diplomata russo respondeu: “As ‘regras do jogo’, os procedimentos de funcionamento de uniões e alianças de que a Rússia não faz parte, não podemos comentar por razões bem compreensíveis”.

Perante um cenário de inevitabilidade de sanções da UE à Rússia em caso de intervenção militar na Ucrânia, para o qual o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, recentemente alertou, e sobre as eventuais consequências da imposição dessas sanções para as relações com Portugal, o embaixador russo em Lisboa reiterou que “a Rússia não está a planear nenhuma intervenção”.

“Somos a favor da resolução diplomática dos assuntos de segurança europeia. As sanções não são uma escolha nossa, mas não temos medo delas: a Rússia demonstrou que nas condições sancionatórias vigentes desde 2014 consegue desenvolver-se com resiliência”, frisou.
“Aliás, as sanções, como é evidente na prática real, atingem os que as impõem. Um exemplo recente é as preocupações dos produtores de vinho portugueses, que falaram sobre o assunto há alguns dias em Moscovo, no quadro da feira ‘Prodexpo’”.

Quanto às relações com Portugal, Mikhail Kamynin afirmou que “se têm baseado no respeito dos interesses mútuos, bem como no entendimento de que Moscovo e Lisboa fazem parte de sistemas geopolíticos diferentes”.

“Percebemos muito bem que no nosso trabalho conjunto devemos destacar o que nos une, e não o que nos separa. Temos muitos planos e projetos despolitizados em várias esferas. No ano em curso, continuaremos a sua implementação no formato bilateral”, indicou o embaixador.

“Estou certo de que Lisboa parte da mesma perceção nestes assuntos”, acrescentou.

Sobre os contactos que mantém com responsáveis portugueses relativos às posições públicas de Portugal quanto à crise russo-ucraniana e a outros temas, o diplomata russo esclareceu que é permanente o contacto “com o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, inclusive no formato das consultas regulares, e com outras instituições-chave do país”, em que dialogam sobre várias questões da agenda internacional atual, inclusive a situação na Europa”.