A dependência económica da região relativamente ao setor do turismo e as restrições nas viagens internacionais obrigaram muitas empresas a fechar portas, recorrer ao ‘lay-off’ ou a dispensar trabalhadores, aumentando o desemprego.
Ana (nome fictício) trabalhava no aeroporto de Faro, mas foi dispensada em agosto e deixou de ganhar os “pouco mais de mil euros” que recebia por mês. Com 40 anos, dois filhos e contas para pagar, viu-se obrigada a ir “morar com familiares” e pedir apoio alimentar.
“Era complicado. Fazíamos refeições com salsichas com ovos, coisas mais básicas, porque o dinheiro não estica”, revela, enquanto aguarda à porta da instituição Refood, em Faro, para levantar os bens que leva para casa ”duas vezes por semana”.
O desemprego obrigou-a também a retirar a filha do infantário para “poupar 250 euros”, mas, apesar da sua atual situação, foi surpreendida por uma carta da Segurança Social, em dezembro, a reenquadrar os filhos “do escalão A para o B”, o que implica uma “redução no abono de família” e no “apoio escolar” que recebia.
Os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal com o novo coronavírus foram anunciados em 02 de março de 2020, enquanto a primeira morte foi comunicada ao país em 16 de março. No dia 19, entrou em vigor o primeiro período de estado de emergência, que previa o confinamento obrigatório, restrições à circulação e suspensão de atividade em diversas áreas.
A suspensão ou restrição de atividade em variados setores, como restauração, comércio, turismo e cultura, entre outros, elevou o número de falências em Portugal, agravou situações de precariedade e provocou aumento do desemprego.
As filas à porta da Refood, em Faro, tornaram-se uma constante em quase todas as tardes, com os beneficiários a aguardarem a sua vez para receber alimentos ou refeições já confecionadas num espaço há muito subdimensionado para as necessidades.
“Um ano depois, estamos piores que anteriormente. Apoiamos 373 pessoas e os pedidos de ajuda não param de chegar, mas temos conseguido corresponder com a ajuda da comunidade”, refere à Lusa a coordenadora da Refood em Faro, Paula Matias.
O que lhes tem valido é a doação direta, os voluntários que “cozinham em casa para doar”, os restaurantes que “abrem as portas para cozinhar uma vez por semana” e a “maior consciência” na entrega dos excedentes por parte dos hipermercados.
A Refood abriu mais “120 vagas em janeiro”, para responder ao aumento de pedidos, mas “mais de metade já foram preenchidas”, afirma. E as previsões para o futuro não são as melhores.
“Já temos planos alternativos. Estamos a preparar-nos para o pior, porque nos parece que, infelizmente, isto é o começo do que aí vem. Ainda não estamos com aquela crise económica que ouvimos falar, mas estamos a entrar nela”, alerta aquela responsável.
Júlia (nome fictício) ocupou uma das novas vagas, depois de ter sido obrigada a pedir apoio quando a pandemia e um problema de saúde não lhe permitiram continuar a fazer as “habituais horas extras” que complementavam o seu rendimento.
“Continuo a trabalhar, mas não chega para as despesas. Daqui levo comida feita e para fazer, duas vezes por semana. Dou graças a Deus por terem aparecido na minha vida”, sublinha.
O filho com 19 anos “está a estudar para ser eletricista” e o trabalho que tinha num pizaria permitia “ajudar em casa”, mas com o novo confinamento “foi dispensado” e deixou de poder contribuir.
Há precisamente um ano, o Movimento de Apoio à Problemática da Sida (MAPS), em Faro, teve de alargar o apoio alimentar que antes apenas abrangia os sem-abrigo: “Estamos a receber cada vez mais pedidos principalmente de famílias com crianças. As pessoas não conseguem fazer face às despesas, não se conseguem alimentar”, revela a vice-presidente.
Elsa Cardoso não antevê tempos melhores, mesmo com o desconfinamento, apontando os “antecedentes” de vários meses em que foram contraídas “dívidas”, que não serão recuperadas “por um ou dois meses de trabalho”.
Bia (nome fictício) tem 33 anos, três filhos e o confinamento deixou-a sem trabalho, colocando o marido em ‘lay-off’. Com o rendimento reduzido e as contas a acumularem-se, teve de recorrer ao MAPS, que diz ser uma “ajuda enorme”.
“O meu marido recebe o salário mínimo e temos a renda de casa para pagar e três filhos para alimentar. Esta ajuda tem sido essencial”, desabafa. Antes da pandemia, conseguiam ter uma vida “estável”, “sem luxos”, mas que permitia “pagar as contas”. Neste momento, só “graças” àquela instituição lhes é possível ter “comida na mesa”.
Maria (nome fictício), veio do Brasil com a família há três anos e vive agora uma realidade semelhante, com a pandemia a lançá-la no desemprego e a obrigar o marido a ter de procurar trabalho na Bélgica. Com dois filhos – um com quatro e outra com 15 anos –, não teve outra alternativa se não pedir ajuda quando começou a “faltar leite” para o filho.
Sem apoio familiar, o seu maior medo é adoecer: “Eu não posso ficar doente. Se eu ficar, vai acontecer o quê com os meus filhos? A quem é que eles vão recorrer? O meu marido vive noutro país, assim a gente vai para fundo”, suspira.
Aos serviços sociais da Câmara de Faro chegam muitos destes pedidos, que começaram a aumentar há um ano com o início do primeiro confinamento. No entanto, existe ainda muita vergonha em pedir ajuda, relata a responsável da divisão.
“Há pessoas que levam muito tempo até pedirem ajuda e só vêm em último recurso. Não têm que ter vergonha, hoje precisam eles, amanhã precisarão outros, ou nós. É importante que passem a palavra e se souberem de mais alguém, que os encaminhem para nós”, apela Ana Sofia Pina.
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