Há uma contagem simples que diz bastante sobre o debate realizado esta noite na SIC entre Assunção Cristas e Rui Rio, respetivamente líderes do CDS-PP e do PSD. Num debate de 30 minutos, cujo tempo se repartiu de forma equitativa com 15 minutos a cada interlocutor, Assunção Cristas referiu-se por 20 vezes à “baixa de impostos” ou a expressões associadas que remetiam para a “prioridade” que o CDS atribui ao tema. Começou aos 39 segundos de debate e foi por aí fora mesmo quase até ao fimzinho quando, ao esquivar-se da pergunta que a colocou no momento mais espinhoso de todo o debate – já lá vamos – Cristas fez a chamada fuga em frente, recapitulou o “sentido” de votar no CDS e aproveitou para dizer que a Cecília Meireles, deputada e dirigente do seu partido, caberá travar a luta para “baixar impostos”.
Ao invés, Rui Rio não trazia uma mensagem clara ou, será mais justo dizer assim, uma ideia pré-definida que estivesse determinado a vincar em qualquer oportunidade. As repetições aconteceram mais pelo fluxo da conversa do que por um prévio alinhamento. E nelas Rui Rio foi igual a si próprio, talvez o mais igual tenha mesmo sido quando se recusou a assumir a atuação do PSD no dossier dos professores como um erro - “aquilo que fizemos na altura está perfeitíssimo” – ainda que reconhecesse que foi precisamente esse o episódio “determinante para o resultado das europeias”.
“Espelho meu, quem é mais líder da oposição do que eu”
Clara de Sousa deu o tiro de partida com a questão “espelho meu, quem é mais líder da oposição do que eu”. Um pretexto perfeito para fazer o teste do algodão às relações entre os dois líderes partidários e às possibilidades futuras. Não eram esperadas surpresas e se as houvesse, o primeiro resumo da entrevista a Rui Rio que a agência Lusa enviou às redações na manhã desta quinta feira, horas antes do debate, matava qualquer expectativa de discussão mais acalorada. Nela, Rio aludia a “aqui ou acolá uma ou outra diferença” e o debate da noite foi fiel a essa definição. Uma coisa aqui e uma coisa acolá e 20 referências a baixas de impostos pela líder centrista.
A entrevista da manhã não fez Clara de Sousa, a moderadora de serviço no debate de ontem, perder o ânimo na pergunta e na insistência.
“Mas continua a querer ser primeira-ministra?”, questionou a Assunção Cristas.
“Mal de nós se o CDS não se quisesse posicionar como o melhor possível, como aliás creio que todos na sua área de atividade; a SIC também quer ser líder de audiências”. Assim e com um sorriso.
Então e o que pensa das vezes em que o CDS chamou ao PSD partido-socorro do PS, partido de colaboração, tentou a jornalista junto de Rui Rio.
Seguiu-se uma longa enumeração: “Constituímos uma alternativa à esquerda com o Dr. Francisco Sá Carneiro, voltámos a fazê-lo com o Dr. Durão Barroso, fizemos com o Dr. Passos Coelho, eu mesmo quando estive na autarquia do Porto foi com o CDS e quando ganhei a minha primeira eleição na vida que foi na associação de estudantes da Faculdade de Economia do Porto ...”. E mais sorrisos.
"A oposição que eu faço em 2018 é diferente da oposição que eu faço em 2019"
Cristas também sorri do outro lado da mesa e bebe água, Clara continua à espicaçar Rui Rio para uma clarificação das opções do PSD enquanto oposição. Onde acontece o momento PSD/2018 versus PSD/2019.
Rui Rio: “A oposição que eu faço em 2018 é diferente da oposição que eu faço em 2019 por uma razão muito simples, em 2018 não há eleições e aquilo que deve ser o meu contributo ao país deve ser colaborar com os outros partidos, os que estão no governo e os que não estão no governo, no sentido das melhores soluções em cada momento (...) é essa a minha postura na política, não é uma postura de estar no contra, é uma postura colaborante (...) Até que chegamos a 2019 e temos três eleições, duas aqui e uma regional, e aí é para mostrar as diferenças”.
Então, no hard feelings? tenta ainda Clara de Sousa.
Não, diz Rui Rio enquanto estende a mão em direção a Assunção, com a familiaridade das conversas de velhos amigos ou, pelo menos, velhos conhecidos.
Do outro lado da mesa, sempre uma mesa, nunca uma barricada, retribui-se a cordialidade. E volta-se a falar de impostos.
"Eu orgulho-me de ter pertencido a um governo liderado por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas que retirou o país da bancarrota socialista"
“O CDS tem um passado construído com o PSD em vários momentos e em momentos particularmente dolorosos e de fragilidade do país e eu orgulho-me de ter pertencido a um governo liderado por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas que retirou o país da bancarrota socialista”, afirma Assunção. “Significa também que há uma capacidade de os dois partidos se entenderem para o futuro”, acrescenta sem qualquer esforço esdrúxulo.
Mas, “as coisas mudaram em 2015 e faz sentido cada um dos partidos apresentar-se aos eleitores e mostrar quais são as suas prioridades”. E, no caso do CDS, há um “projeto alternativo que tem como prioridade a baixa de impostos”.
É isto que a líder centrista tem a dizer sobre possíveis alianças, mas guarda uma palavra para António Costa. “O CDS é muito claro e é o único partido com representação parlamentar que diz com uma clareza cristalina que não fará nenhum acordo estável com o partido socialista, que não estará no governo nem dará o apoio a um governo de António Costa (...) Nós não daremos a mão ao partido socialista”.
Arrumada a relação dos dois, é altura para falar de contas. Agora que o país tem excedente orçamental, agora que o défice está como a Europa e Mário Centeno o querem, que ideias têm os dois para a gestão dessa margem.
A esta altura, se chegou até aqui neste artigo, já não deverá ser difícil imaginar a prioridade de Assunção Cristas e do CDS. Sim, é essa. Ao minuto 4:27 do seu tempo de debate: “O objetivo número 1 e a prioridade número 1 do CDS é baixar impostos”.
“Os portugueses neste momento têm mais emprego só que são precários e mal pagos"
Rui Rio apresenta aqui uma outra prioridade de forma clara. Vai falar uma única vez do tema, enquanto a sua adversária/possível aliada regressará tantas vezes quantas possíveis à sua prioridade. Pergunta Clara de Sousa: O que é que teria feito diferente se tivesse estado no governo?
Responde o líder do PSD: “Os portugueses neste momento têm mais emprego só que são precários e mal pagos. O salário mínimo nacional está quase a encostar ao salário médio.
O que queremos ter? Melhores empregos e melhores salários. E se o que queremos ter é melhores empregos e melhores salários, a estratégia de crescimento económico não é esta – não é mesmo”.
Rio ainda falará de impostos e redução da carga fiscal, mas a sensivelmente meio do debate já era difícil não dividir, no mínimo, com a líder centrista os créditos: “Aquilo que a Assunção disse é matemático: com este governo nós temos a maior carga fiscal de sempre da história de Portugal. Hoje temos em Portugal mais impostos, mais carga fiscal e piores serviços públicos. Onde está o dinheiro?”
Face ao quadro macro-económico e à margem orçamental esperada – que Rui Rio estima em 15,5 mil milhões de euros até 2023 a partir dos números do Conselho das Finanças Públicas – os dois líderes apresentam fórmulas diferentes de repartir o bolo. Para Rui Rio, 25% é para baixar impostos 25% é para aumentar o investimento público e 44% é para a despesa corrente e 6% é para ter superavit nas contas. Assunção apresenta uma fórmula simplificada, 60% para baixar impostos (com 15% de redução no IRS para todas as famílias) e 40% para reduzir a dívida.
Sobrava tempo para três temas do legado da legislatura: o regresso às 35 horas na função pública, o ultimato de António Costa precipitado pelo diploma da carreira dos professores e a regionalização. O espaço ideal para o exercício de estilo de cada um dos debatentes. Assunção Cristas num registo quase confessional, Rui Rio no tom em que se revê de “eu sou como sou”.
"Partilho da estupefação da maior parte do país quando olha para um país com dois regimes, o país de todo o setor privado que trabalha 40 horas, e o da Função Pública que trabalha 35 horas"
E foi assim que ouvimos Cristas dizer que partilha “da estupefação da maior parte do país quando olha para um país com dois regimes, o país de todo o setor privado que trabalha 40 horas, e o da Função Pública que trabalha 35 horas” mas considerou que não existiam condições, até por razões constitucionais, para evitar o regresso às 35 horas de trabalho na Função Pública. E que a atuação no processo dos professores foi um erro “porque se nós não conseguimos explicar a nossa posição porque claramente ela não foi percebida – e teve a ver com toda esta desinformação montada pelo governo socialista – então só posso assumir que foi um erro”.
Rui Rio não evitou acidez nestes dois dossiers, Garantiu que não foi por medo de perder votos que não votou contra a reposição das 35 horas – “não me custava votos, os funcionários públicos são muito menos que o setor privado” – mas sim porque “é desejável que haja estabilidade” e os governos não “ devem andar sempre a mudar” as regras.
“A recente crise dos motoristas serviu exatamente para se perceber a forma como o primeiro ministro atuou e atuou da mesma maneira com os professores com uma dramatização, com o circo montado"
Sobre os professores, não só sublinhou que “aquilo que fizemos na altura está perfeitíssimo” como aproveitou o tema para também falar da greve dos motoristas e da atuação de António Costa. “A recente crise dos motoristas serviu exatamente para se perceber a forma como o primeiro ministro atuou e atuou da mesma maneira com os professores com uma dramatização, com o circo montado, um teatro montado ... Foi tudo uma desinformação que se montou e não posso vir aqui dizer que me enganei porque não me enganei nada”.
Mas então porque demorou quatro dias a reagir, questionou Clara de Sousa?
“Tem a ver com o estilo próprio. Se é preciso que as pessoas escutem então temos de deixar baixar o barulho. Baixa o barulho, há tranquilidade, apareço, falo e as pessoas ouvem. Nem assim foi possível”.
Com ou sem erro, Rui Rio e Assunção Cristas concordam que a crise dos professores foi “determinante” para o resultado das europeias.
Sobrava o tema da regionalização, pouco discutido na realidade, e em que a nuance é o não categórico da líder centrista e o não condicionado do líder social-democrata que afirma que só votará favoravelmente “se não haver aumento de despesa pública”.
A fava
Faltava o momento da fava no bolo rei, ou a pergunta de algibeira como Clara de Sousa lhe chamou.
A Assunção Cristas calhou uma fava chamada legislação sobre identidade de género e, muito em concreto, sobre se revia ou não na posição do líder da juventude centrista.
“Deixe-me usar este tempo para falar às pessoas que se perguntam se faz sentido votar no CDS ...”, diz a líder centrista.
Clara de Sousa insiste na pergunta.
“Eu acho que isto não interessa às pessoas”, afirma Cristas e retoma o apelo ao “sentido” de votar no CDS.
Clara de Sousa : Já disse isso.
Assunção Cristas: Não, não, não
Clara de Sousa: Fica registado que não quis responder.
A fava de Rui Rio chamou-se António Capucho, um ilustre social democrata de regresso ao partido depois de ter saído na era Passos Coelho. “Como se sentiria se fosse Pedro Passos Coelho”, pergunta Clara de Sousa.
“Se cortasse relações com tudo aquilo que eu discordo provavelmente já não falava com ninguém com a idade que eu tenho”, diz Rui Rio. “António Capucho foi expulso de forma injusta. Tem um currículo notável e é respeitado na sociedade portuguesa”. [À hora em que Rui Rio proferia estas declarações ainda não era conhecida a decisão da Concelhia de Cascais que chumbou o regresso de António Capucho]
Confirma que há militantes a saírem do partido por causa disto?, pergunta a moderadora.
“Não confirmo mas se calhar há”.
E foi assim que aconteceu o debate dito das direitas. O resto logo se verá nesse dia a seguir às eleições legislativas.
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