Vindo da rua, o grupo começa imediatamente a interagir com o público e fá-lo praticamente ininterruptamente até ao final, misturando-se o que é o palco e quem faz parte da plateia. Sussurram-se sete histórias diferentes, mas todas sobre o mesmo protagonista: Moche, o amigo que usava mochila branca e desapareceu no caminho entre o ensaio e a casa.

Já no interior da sala – num espaço habitualmente reservado a cadeiras, mas que, estando estas recolhidas e estando dispersos os elementos de cena, convida o público a sentar-se no chão, encostar-se à parede ou apoiar-se nos móveis que compõem o cenário – Rita, Bernardo, Carolina, Inês, Hugo, Beatriz e Paola não desistem de procurar o amigo.

“O Moche é assim um ‘bad boy’, alguém que domina o grupo, com o qual todos têm histórias diferentes”, conta aos jornalistas, após o ensaio de imprensa, que decorreu esta tarde, Bernardo Lourenço, 17 anos, aluno da Secundária Augusto Gomes, concelho de Matosinhos.

Mas o Moche, personagem central da peça, que só vem a revelar-se no fim, continua desaparecido, levando os amigos a tomar poções que lhes ativam os sentidos de forma a conseguirem seguir-lhe o rasto.

Há quem fique com a visão tão apurada ao ponto de conseguir vislumbrar o estreito de Gibraltar e quem sinta o odor de urina de ratazana e todos, graças à porção do tato, sentem a grossura de teias de aranha.

“O Moche representa algo de transcendente. É uma espécie de amigo imaginário”, descreve, por sua vez, o encenador, Gonçalo Amorim.

Entretanto, num emaranhado de sons, texturas, cheiros e visões – faltando o paladar, mas esse ficou por terra à entrada – das histórias, as personagens passam aos objetos pessoais, e o futuro do Moche é revelado: afinal o ‘bad boy’ casou-se e tem quatro filhos.

“Este é um espetáculo pensado para jovens que estão num momento de procura interior. Há um diálogo e uma tensão constante entre o que sou, o aqui e agora, e o que quero fazer”, descreve Gonçalo Amorim.

É exatamente o que se passa com Bernardo Lourenço que, depois dos três dias, de “Mochila” (a peça estará em cena no Constantino Nery de sexta a domingo), completa 18 anos, entrando, como disse, na “idade adulta”.

“Decidi integrar este projeto porque estou a decidir o que fazer quando sair da escola, o que fazer no futuro. Isto é sobre nós, sobre jovens que procuram encontrar-se. É sobre a passagem de jovens a adultos”, conta Bernardo Lourenço, o mais velho num grupo cuja mais nova, Rita, tem 14 anos.

Os sete jovens que integram “Mochila” foram escolhidos após uma audição que inicialmente teve entre 20 e 25 candidatos.

Segundo Gonçalo Amorim, além da triagem natural, foi determinante a resposta afirmativa e convicta à pergunta “Quem é que se quer comprometer com um projeto exigente?”. Seguiram-se três meses de ensaios.

No “palco”, somam-se aos sete jovens de Matosinhos, três músicos.

A produção é do TEP, companhia precursora do teatro moderno, que estreou a sua primeira peça em 1953, e a representação ultrapassa uma hora de duração, estando o espaço limitado a cerca de 80 espetadores.