Em Portugal, os profissionais de saúde de primeira linha no combate ao novo coronavírus começarão a partir de domingo a ser vacinados no arranque de uma campanha que se estenderá pelo ano que vem e cobrirá primeiro os grupos populacionais mais vulneráveis, tais como os residentes em lares e pessoas com doenças crónicas acima dos 65 anos.

Embora as autoridades de saúde portuguesas e internacionais falem de esperança e luz ao fundo do túnel, os factos recomendam cautela porque não deverá haver alívio real e sustentado em contágios, hospitalizações e mortes até que pelo menos metade da população esteja vacinada.

A vacinação começará com a vacina produzida em conjunto pelos laboratórios Pfizer/BioNTech, com uma autorização de introdução no mercado condicional da Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês).

Ainda este ano, Portugal vai receber 79.950 doses de vacinas, com um primeiro lote de 7.950 entregues hoje e outras 70.200 na segunda-feira. Até ao fim do primeiro trimestre de 2021, deverão chegar a Portugal cerca de 1,3 milhões de doses da Pfizer.

Portugal reservou ainda 227.000 vacinas da Moderna e 1,4 milhões da vacina AstraZeneca/Oxford, que ainda carecem de autorização para introdução no mercado.

A vacina da Pfizer/BioNTech é do tipo mRNA, que não contém vírus inativado, mas funciona a nível genético, desencadeando no corpo a produção de uma proteína que combate o SARS-CoV-2, o mesmo princípio da vacina da norte-americana Moderna, a próxima que poderá ter autorização para introdução condicional na Europa e que a EMA irá analisar nos primeiros dias de janeiro.

A Pfizer estima que poderá ter prontas 50 milhões de doses para distribuir em todo o mundo ainda este ano e 1,3 mil milhões de doses durante o próximo, sendo necessárias duas tomas para a vacina ser eficaz.

Os cientistas advertem que demorará tempo para concretizar uma campanha de vacinação global, agravada por fatores como a geografia, as disparidades económicas dos países e a necessidade de garantir a logística para entregar e conservar as vacinas às temperaturas exigidas.

O diretor do Instituto de Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Miguel Castanho, disse numa entrevista à Lusa que, “provavelmente, só se notará se a vacina está a ter efeito sobre os grandes números da pandemia no próximo inverno” e que seria imprudente se as pessoas deixassem de tomar medidas cautelares de um dia para o outro”.

Com cerca de metade da população imunizada, atingir-se-á o “ponto crítico para o vírus” e a partir daí, caminhando para a chamada imunidade de grupo, que restringe severamente a capacidade de o vírus circular, “alterações substantivas essenciais” na situação epidémica, com uma redução consistente no número de contágios, hospitalizações e mortes.

O coordenador da equipa especial destacada pelo Governo português para o plano de vacinação, Francisco Ramos, afirmou que Portugal conta ter 950 mil pessoas vacinadas até abril.

O diretor geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Ghebreyesus, também já avisou reiteradamente que, mesmo com várias vacinas no terreno, não haverá “bala de prata” para acabar com o novo coronavírus.

Durante meses ou mesmo anos, a tónica das autoridades de saúde deverá continuar na necessidade de manter distância física, higiene das mãos reforçada e todas as medidas de restrição de movimentos de populações adotadas para conter surtos e a disseminação descontrolada do vírus pela população.

Outro obstáculo com que as autoridades de saúde também terão de contar será a resistência à vacina: num estudo divulgado pelo Correio da Manhã na semana passada, cerca de um quarto dos inquiridos afirmava não querer tomar a vacina.

Num seminário ‘online’ organizado pela EMA no princípio do mês, o responsável pelo departamento de Estudos Clínicos, Fergus Sweeney, afirmou que o processo de avaliação por parte da agência foi feito “em menos tempo, mas sem, geralmente, reduzir a dimensão ou o rigor da avaliação científica e dos dados” fornecidos pelos fabricantes à agência europeia.

Afirmou que o formato de autorização condicional de introdução no mercado garante que “todas as salvaguardas e controlos estão a funcionar” e que as empresas fabricantes estão “legalmente obrigadas” a continuar os estudos sobre a aplicação da vacina.

Pelo mundo, fazem-se contas no longo caminho para a imunidade de grupo: na China, que tem 1,4 mil milhões de habitantes, terão já sido administradas pelo menos um milhão de doses da vacina chinesa, que requer também duas tomas.

Nos Estados Unido, onde há dias uma sondagem do jornal USA Today indicava que um quinto dos 308 milhões de habitantes não tenciona vacinar-se, cerca de 600 mil terão já recebido a primeira dose de vacina da Pfizer/BioNTech.

O sociólogo norte-americano Nicholas Christakis, autor do livro “Apollo’s Arrow”, em que procura pistas sobre o impacto da pandemia nos próximos anos, previa numa entrevista em outubro com o neurocientista Sam Harris que, concretizando-se uma progressiva vacinação em massa por todo o mundo ao longo de 2021, a noção de “voltar ao normal” ainda está relativamente longe no calendário.

“O período imediato da pandemia poderá acabar [por volta de 2022] mas não haverá um regresso à vida normal, porque as pessoas ainda vão estar traumatizadas”, previu, baseando-se no que aconteceu em períodos de pandemia anteriores ao longo dos séculos.

Christakis afirmou que deverá haver um “período intermédio” até 2024 e então, possivelmente, se poderá falar de um “período pós-pandemia” marcado por um regresso ao normal com “mudanças permanentes”, como a prevalência do teletrabalho.

“Em 2024 teremos uma espécie de ‘loucos anos 20’, um desabrochar. As pessoas poderão voltar a encher eventos desportivos, manifestações políticas, restaurantes e cerimónias religiosas. Em tempos de peste, as pessoas costumam encontrar Deus”, afirmou.

Ao mesmo tempo, poderão também ser anos de “desregramento social e sexual, de embriaguez, de uma certa alegria de viver, típicas de períodos pós-pandémicos”.

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