“Portugal deveria ter-se mantido neutral, para agora se poder apresentar como mediador da crise na Venezuela”, disse hoje à Lusa Cátia Miriam Costa, professora de Relações Internacionais do ISCTE.
A docente recordou o quadro diplomático e político “muito complexo” que envolve a atual situação na Venezuela, para explicar porque considera que a posição de “reconhecimento e apoio” de Juan Guaidó como Presidente interino, hoje apresentada pelo Governo português, “não é a melhor solução para ajudar a resolver o impasse político”.
Cátia Costa diz mesmo que esta posição do Governo português é “simplista” e pode acarretar vários riscos, afirmando que foi um erro Portugal ter reconhecido legitimidade a Guaidó, por lhe ter retirado imparcialidade para agora surgir como um verdadeiro mediador para uma solução de transição.
Também José Pedro Teixeira Fernandes, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, remete para a questão da complexidade da situação diplomática à volta da Venezuela, para considerar que as decisões políticas de apoio a Juan Guaidó são “questionáveis”.
O investigador e professor na Universidade Católica referiu hoje a possibilidade de um desfecho imprevisível para a situação na Venezuela, tendo em conta o número elevado de variáveis em jogo.
Para Teixeira Fernandes, o reconhecimento de Juan Guaidó como Presidente interino é apenas uma das peças de um conjunto de fatores e decisões que torna a Venezuela um problema com muitas faces e inúmeros desafios.
Teixeira Fernandes e Cátia Costa concordam ainda no desenho da complexidade diplomática da Venezuela: fronteiras com países em mudança ideológica, como o Brasil; forte dependência económica do petróleo, que deixa o país vulnerável a sanções como a imposta pelos EUA; sublevação de grupos de traficantes de droga.
“A maior pobreza da Venezuela é a sua riqueza”, afirmou Cátia Costa, referindo-se ao facto de os imensos lençóis de petróleo nesse país há muitos anos impedirem o país de conseguir estabilidade política.
A docente, que tem no ISCTE a cátedra da disciplina “Ibero-américa global”, explica que a mediação do problema deveria ser feita por países que não tenham compromissos económicos com a Venezuela, excluindo assim potências como a Rússia ou os EUA, que continuam a alimentar contratos de importação do crude venezuelano.
“Nesse quadro, Portugal poderia aparecer como um mediador privilegiado”, esclareceu a professora, já que está mais liberto desse condicionalismo e não teria o risco de leitura de ser um país de caráter colonialista, como é o caso da Espanha.
“Além do mais, a forte comunidade portuguesa na Venezuela seria um trunfo relevante para esse papel de mediador, já que permitiria ao governo recorrer ao profundo conhecimento de muitos desses portugueses”, afirma Cátia Costa.
A docente considera que o facto de Portugal integrar o grupo de contacto internacional não dá nenhuma garantia de que possa aí realizar esse papel de mediador.
“Nem sei se esse grupo quererá verdadeiramente mediar este impasse”, afirmou Cátia Costa, dizendo que qualquer país que tenha declarado apoio a Juan Guaidó não tem neste momento imparcialidade para se apresentar como mediador.
Portugal, assim como diversos outros países europeus, reconheceu e apoiou hoje a legitimidade de Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela com a missão de organizar eleições presidenciais livres e justas.
“Portugal reconhecerá e apoiará a legitimidade do presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, como Presidente interino, nos termos constitucionais venezuelanos, com o encargo de convocar e organizar eleições livres, justas e de acordo com os padrões internacionais”, disse hoje o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, numa conferência de imprensa em Lisboa.
A crise política na Venezuela agravou-se a 23 de janeiro, quando o líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se autoproclamou Presidente da República interino e declarou que assumia os poderes executivos de Nicolás Maduro.
Guaidó, 35 anos, contou de imediato com o apoio dos Estados Unidos e prometeu formar um governo de transição e organizar eleições livres.
Nicolás Maduro, 56 anos, chefe de Estado desde 2013, recusou o desafio de Guaidó e denunciou a iniciativa do presidente do parlamento como uma tentativa de golpe de Estado liderada pelos Estados Unidos.
Esta crise política soma-se a uma grave crise económica e social que levou 2,3 milhões de pessoas a fugirem do país desde 2015, segundo dados das Nações Unidas.
Na Venezuela, antiga colónia espanhola, residem cerca de 300 mil portugueses ou lusodescendentes.
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