“Gostaria de partilhar a minha decisão de não avançar com uma intervenção no exterior do edifício, até porque, de certa forma, a própria discussão, embora prematura e algo mal-informada, teve o efeito de ocasionar este mesmo diálogo sobre o espaço da cidade, que tanto prezo”, refere Alexandre Farto num depoimento escrito, enviado hoje à agência Lusa.
Na semana passada, o jornal Público noticiou que um edifício de escritórios, desenhado pelo arquiteto Agostinho Ricca (1915-2010), em coautoria com João Serôdio e Magalhães Carneiro, está a ser alvo de obras de reabilitação, que incluiriam, no exterior, uma intervenção de Vhils.
Apesar de ter decidido não avançar com a intervenção, o artista anuncia que está “aberto a qualquer convite que seja para realizar um trabalho que faça sentido para a área/zona em questão, e que contribua positivamente para a comunidade local”.
No depoimento, Alexandre Farto começa por dizer que tem “um enorme respeito e admiração pela obra e pelo trabalho do arquiteto Agostinho Ricca”, um dos motivos que o levou a aceitar “de bom grado” o convite que lhe foi feito “para pensar numa intervenção artística para uma parte do edifício, que não comprometesse a integridade do mesmo”.
No âmbito desse convite, conta, foram desenvolvidos “alguns estudos visuais, num formato de pré-visualização, daquilo que a futura intervenção pudesse vir a ser, mas que, não eram, nem tão-pouco são, definitivas”.
Os estudos, sublinha, “não representam nem a proposta final que, até à data, ainda estava na fase de estudo, nem muito menos o resultado final da intervenção”.
Vários arquitetos, entre os quais Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura, pronunciaram-se contra a intervenção por entenderam que põe em causa a preservação do património arquitetónico do Porto.
Depois da notícia do Público, surgiu uma petição ‘online’ para a classificação patrimonial do Parque Residencial da Boavista, onde se situa o edifício em questão, que até às 17:00 de hoje reunia cerca de 1.600 subscrições. Também a Ordem dos Arquitetos defendeu a classificação do Parque Residencial da Boavista.
Alexandre Farto refere que subscreve “integralmente as manifestações e o trabalho realizado no sentido de preservar todo o património do arquiteto Agostinho Ricca, assim como de outros que marcaram o percurso da arquitetura portuguesa”, partilhando “todas as preocupações expressadas em público por parte dos arquitetos Álvaro Siza Viera e Eduardo Souto de Moura, entre muitos outros”, cujo trabalho e obra “tanto” admira.
“A salvaguarda do património arquitetónico e artístico de uma cidade, que tanto contribuem para a construção da sua identidade – um tema que tem sido transversal à minha obra –, é um ato nobre que nos cabe a todos estabelecer, numa linha de diálogo construtivo e abrangente”, defendeu.
Para Alexandre Farto, “a arte urbana pode e deve assumir um papel importante no sentido de contribuir para chamar a atenção e a trabalhar zonas negligenciadas da cidade”. “Facto que pudemos constatar neste caso específico, mesmo que involuntariamente, e ainda que a intervenção em causa não tivesse, sequer, chegado à fase de desenvolvimento”, referiu.
O artista entende que “a cidade ideal é aquela onde todos podem, e devem, participar” e que “deverá ser aproveitada e não marginalizada” a “forte energia criativa e artística, a par de uma vontade participativa, que vive neste momento a cidade”.
Vhils recorda que tem trabalhado na tentativa de “criar espaço e diálogo para os artistas se expressarem na cidade, sobretudo os da nova geração e aqueles que se têm expressado de forma mais marginal, para que façam parte desta orgânica que dá forma à cidade”.
Exemplo disso é o projeto cultural Underdogs, que se divide entre arte pública, com pinturas nas paredes de Lisboa, exposições dentro de portas e a produção de edições artísticas originais, que fundou em 2010 com a francesa Pauline Foessel.
A plataforma tem também uma loja em Lisboa, e começou em 2015 a organizar visitas guiadas de Arte Urbana na cidade.
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