Os profissionais de saúde dizem que o caso de Yoni não é uma exceção em Israel. Paralelamente à guerra em Gaza, observaram um aumento no abuso de álcool e drogas, além de outros comportamentos viciantes.

Yoni, que pediu para que fosse usado um pseudónimo para proteger a privacidade, disse à AFP que já havia começado a usar drogas, mas que “depois da guerra, parece que realmente piorou”.

“É apenas uma forma de fugir da realidade, de tudo isto”, diz omorador de Beersheba, no sul de Israel, que perdeu um amigo no ataque do Hamas.

O psiquiatra Shaul Lev-Ran, fundador do Centro de Dependência de Israel, explica à AFP que “como uma reação natural ao stress emocional e como procura de alívio, temos visto um aumento dramático no uso de várias substâncias sedativas que causam dependência”.

Um estudo conduzido pela sua equipa, com sede na cidade de Netanya, descobriu "uma conexão entre a exposição indireta aos eventos de 7 de outubro e um aumento no uso de substâncias que causam dependência", de 25% em média.

Lev-Ran afirma ter identificado um aumento no uso de "narcóticos prescritos, drogas ilegais, álcool ou comportamentos viciantes, como jogos de azar".

Um em cada quatro israelitas aumentou o uso de substâncias que causam dependência, diz o estudo, realizado entre novembro e dezembro, com uma amostra representativa de 1.000 pessoas. Em 2022, antes da guerra, um em cada sete tinha um problema de dependência de drogas.

Contactada pela AFP, a Autoridade Palestiniana disse que não havia dados equivalentes sobre dependência e saúde mental nos territórios ocupados.

"Choque"

O ataque de 7 de outubro, no qual militantes do Hamas atacaram povoações, bases militares e um festival de música no sul de Israel, causou um verdadeiro "choque" na sociedade, afirma Lev-Ran.

E quanto "mais próximos os indivíduos estavam do trauma de 7 de outubro, maior o risco" de dependência, conclui o estudo.

O ataque do Hamas provocou a morte de 1.198 pessoas, a maioria civis, de acordo com uma contagem da AFP baseada em dados oficiais de Israel. Entre os mortos estão mais de 300 militares.

Os combatentes também sequestraram 251 pessoas, das quais 111 continuam em Gaza, embora 39 estejam mortas, segundo o Exército.

A campanha militar de retaliação de Israel contra Gaza matou pelo menos 39.790 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde do território governado pelo Hamas, que não faz distinção entre civis e combatentes.

O estudo do Centro de Dependência de Israel também aponta para um aumento do vício entre as pessoas deslocadas de comunidades próximas à Faixa de Gaza ou perto da fronteira norte com o Líbano, palco diário de hostilidades entre o Exército israelita e o movimento islamita Hezbollah.

"Alguns que nunca haviam usado substâncias que causam dependência começaram a usar canábis, outros já usavam substâncias, mas aumentaram o uso, e alguns já haviam sido tratados por conta da dependência e tiveram uma recaída"- explica Lev-Ran.

"Esquecimento"

O psiquiatra diz que Israel está "no início de uma epidemia na qual grandes segmentos da população desenvolverão dependência de substâncias".

A pesquisa da sua equipa mostrou que o uso de soníferos e analgésicos já disparou, em 180% e 70%, respetivamente.

O profissional dá o exemplo de um dos seus pacientes, um homem que lhe pediu "alguma coisa" para ajudá-lo a dormir e a lidar com o fato de que seu filho estar mobilizado em Gaza.

Num bar em Jerusalém, Matan, um soldado mobilizado para a guerra que só dá o seu primeiro nome para manter a privacidade, explica à AFP que o uso de drogas "ajuda a esquecer" a dura realidade.

Yoni conta que, nos primeiros meses da guerra, ele e os amigos usaram "drogas de festa como ecstasy, MDMA, LSD" de forma recreativa "para não ficarem entediados e não terem medo".

Entretanto, depois, o adolescente começou a usar "apenas em casa". Isso o fez perceber que "precisava ir para a reabilitação".

"Quando terminar o processo, a minha intenção é concluir o serviço militar. Quero provar para mim mesmo, para minha família, que consigo fazer mais e contribuir para a comunidade".

*Por Wafaa Essalhi, da AFP