A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reafirmou, no Porto, que os Estados-membros "devem estar abertos a esta discussão" sobre o levantamento temporário das patentes sobre as vacinas contra a covid-19, mas alerta que estes "são tópicos para o longo prazo". A urgência agora é aumentar a produção e a distribuição das vacinas, apelando aos restantes países que permitam, tal como a Europa, a exportação das vacinas.

“Penso que é muito importante e deveríamos estar abertos a esta discussão […] e ter um olhar atento sobre o papel do licenciamento. É importante que estes sejam tópicos a discutir, mas devemos estar cientes de que estes são tópicos a longo prazo, não a curto ou médio prazo”, disse Ursula von der Leyen, em declarações aos jornalistas após o final de um Conselho Europeu informal, no Palácio de Cristal do Porto.

Falando sobre uma eventual suspensão das patentes de vacinas contra a covid-19, a líder do executivo comunitário vincou que a UE não deve “perder de vista as principais urgências”, que são “produção de vacinas o mais rapidamente possível e a salvaguarda de que estas são distribuídas de forma justa e equitativa”.

Vincando que existem “tópicos que devem ser abordados” antes, Ursula von der Leyen assinalou que “a União Europeia é a farmácia do mundo, tendo já exportado 200 milhões de doses de vacinas, metade das doses produzidas, para 90 países diferentes no mundo de baixo rendimento.

“Convidamos outros a fazer o mesmo [porque] esta é a melhor maneira de, a curto prazo, abordar os estrangulamentos e a falta de vacinas em todo o mundo”, vincou a responsável.

As vacinas contra a covid-19 estão protegidas por patentes que impedem a cópia das soluções por outros laboratórios.

“Estamos sim dispostos a entrar nessa discussão, mas precisamos de uma visão real de 360 graus sobre o assunto e, de momento, não nos devemos afastar de outros tópicos que estão nesta grande questão de onde vêm as vacinas para todo o mundo”, insistiu Ursula von der Leyen.

A responsável acrescentou que uma eventual suspensão dos direitos de propriedade intelectual “é algo que não trará dentro do próximo mês, talvez no próximo ano, quaisquer vacinas”.

“E precisamos de vacinas agora”, reforçou.

“O que eu quero dizer é que vamos precisar de toda a discussão. Vamos convidar todos a participar na partilha de vacinas, nas exportações e no investimento de capacidades, não só na própria região mas também no estrangeiro”, adiantou Ursula von der Leyen.

Antes, o presidente do Conselho Europeu tinha dito que os Estados-membros não vêm na liberalização da propriedade intelectual uma solução mágica a curto prazo: “A curto prazo, uma grande parte de nós (...) pensa que [a suspensão das patentes das vacinas contra a covid-19] não é uma solução mágica que resolveria tudo”, sublinhou Charles Michel.

O presidente do Conselho Europeu falava na conferência de imprensa após a reunião de líderes UE-Índia, onde abordou o jantar de sexta-feira entre os 27 chefes de Estado e de Governo da União Europeia (UE), cujo principal tema de discussão foram as patentes das vacinas.

Informando que, durante a refeição, “sentimentos e opiniões diferentes” foram expressos sobre o tema, Charles Michel referiu que a UE está “determinada a apoiar todos os elementos que possam aumentar a produção ao nível mundial e a entrega rápida de vacinas”.

Nesse sentido, Charles Michel relembrou que “cerca de 50%” das doses de vacinas que foram produzidas em solo europeu foram exportadas, o que “testemunha da solidariedade” e do “compromisso” da UE em “manter as cadeias de aprovisionamento abertas”.

“Encorajamos todos os nossos parceiros, incluindo os países produtores de vacinas, a darem [o mesmo] exemplo, ao proteger e ao manterem as cadeias de aprovisionamento, e ao garantirem que as exportações são possíveis”, apontou.

Apesar disso, Charles Michel disse que a UE “está pronta” para participar em “debates extremamente concretos”, dando o exemplo do que a Europa “já faz há algum tempo com os países africanos”, onde, através do apoio das instituições europeias, “estimula parcerias público-privadas” para conseguir “aumentar concretamente a produção e garantir a diversificação das cadeias de aprovisionamento no setor farmacêutico”.

Reiterando que “ninguém está seguro face à pandemia de covid-19 se o mundo inteiro não estiver protegido nem em segurança”, o presidente do Conselho Europeu disse assim que essa é a razão pela qual, desde o início da pandemia de covid-19, a UE “afirmou essa solidariedade” junto dos parceiros internacionais.

“Em primeiro, através da mobilização de muitos meios para a investigação e da contribuição para fazer com que pudessem estar disponíveis rapidamente vacinas para a humanidade. Depois, através da participação ativa na iniciativa COVAX [mecanismo de acesso às vacinas], para nos assegurarmos que, em todos os países do mundo, algumas doses possam estar disponíveis”, referiu.

Von der Leyen revelou ainda que os passaportes de vacinação, que permitiram viagens dentro do espaço comunitário, devem estar tecnicamente funcionais em junho — e que a solução política deve chegar antes do final de maio, graças, sublinhou, ao trabalho da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia.

Sobre este tema, Charles Michel disse que será certamente discutido no próximo Conselho Europeu, no dia 25 de maio, já em Bruxelas.

Antes, numa conferência de imprensa paralela, o presidente francês, Emmanuel Macron, apelou hoje aos Estados Unidos para porem fim às interdições nas exportações de vacinas e seus componentes e defendeu maior "eficácia" na produção de vacinas contra a covid-19.

“Libertem as doses. Nós [União Europeia] controlamos as exportações para evitar as fraudes, mas não as interditamos, aliás exportamos metade do que produzimos”, frisou Macron numa conferência de imprensa após o Conselho Europeu informal, no Palácio de Cristal, no Porto.

O presidente francês considerou que “a chave para produzir mais rapidamente vacinas para países pobres é produzir mais”, para o que “é necessário que os EUA levantem as interdições” às exportações de vacinas e seus componentes, sem os quais não é possível produzi-las.

“Sou pela eficácia. Quantas mais vacinas produzirmos, mais rapidamente conseguiremos esmagar a pandemia”, afirmou, apontando que, para “esmagar de vez” a pandemia de covid-19, é necessária uma maior produção, exportação e transferência de tecnologia.

Falando na necessidade de trabalhar para que a vacina seja um “bem público mundial”, o Presidente francês evocou um “interesse mútuo” e defendeu a urgência de produzir vacinas na Europa, na Índia e em África.

“Sou pela solidariedade internacional, porque é o nosso dever moral e a condição para acabar com a covid-19. Se não vacinarmos por todo o mundo, não vamos acabar com a covid-19 e as suas variantes”, reforçou Macron.

Afirmando que a Europa é “de longe” quem mais exportou vacinas, o chefe de Estado francês recordou que, há um ano, quando o “silêncio era ponto de ordem do outro lado do Atlântico”, a França e, nomeadamente a Europa, avançou a ideia de que a vacina deveria ser um bem público mundial.

Já sobre a questão da liberalização das patentes, Emmanuel Macron disse ser favorável a debater o assunto para encontrar uma resposta, apontando como exemplo o que foi feito com o VIH: União Europeia e Estados Unidos construíram um quadro jurídico “que permitiu a transferência de tecnologia sem fragilizar a inovação”.

“Se não, vamos mentir a nós mesmos e dividir-nos em falsos debates”, afirmou.

Na quarta-feira, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou que apoiava a suspensão das patentes das vacinas contra a covid-19, uma proposta que tinha sido inicialmente avançada pela Índia e pela África do Sul na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Ainda que políticos europeus como Macron e até a Comissão Europeia se tenham mostrado disponíveis para debater a proposta, o governo alemão já se opôs à ideia, assinalando que “o fator limitativo na fabricação de vacinas é a capacidade de produção e os elevados padrões de qualidade, não as patentes”.

Também numa conferência paralela, o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, disse que a proposta dos Estados Unidos sobre a suspensão temporária das patentes das vacinas contra o covid-19 não garante segurança porque a produção é muito complexa.

"Uma aplicação de medidas provisórias não iria provocar um desincentivo à produção ou à investigação, mas a questão é muito mais complexa do que isso, porque a liberalização das patentes não garante a produção das vacinas que é um processo muito complexo", disse Draghi no Porto.

Para o governo de Roma, a solução não passa pela suspensão temporária das patentes mas sim pelo aumento da produção que deve ser "segura" do ponto de vista da saúde pública.

"A liberalização não garante a segurança ​​​na produção", disse Draghi defendendo a aceleração da produção de vacinas através da aplicação de mais investigação e tecnologia.

O primeiro-ministro de Itália insistiu que o aumento da fabricação das vacinas requer organização, tecnologia e conhecimentos tendo sublinhado que as "grandes farmacêuticas" que receberam fundos dos Estados até devem garantir uma forma "qualquer" de compensação, que não especificou.​​​​

Mario Draghi recordou que a União Europeia é bloco que mais vacinas produz a nível global e que mais exporta para todo o mundo, nomeadamente para os Estados Unidos e para o Canadá, afirmando que a proposta de liberalização norte-americana é compreensível mas difícil de executar pela complexidade de todo o processo.

"A posição de (Joe) Biden deve ser compreendida como muito complexa. Foi uma constatação que se prende com o facto de milhões de pessoas não terem ainda acesso a vacinas", disse Draghi quando questionado diretamente sobre a proposta do chefe de Estado norte-americano sobre a liberalização provisória das patentes.

Vacinação no "bom caminho" com 200 milhões de doses já disponibilizadas

A Comissão Europeia anunciou hoje que 200 milhões de doses de vacinas anticovid-19 chegaram já à União Europeia (UE) e 160 milhões de europeus já receberem a primeira dose, levando a que a vacinação esteja “no bom caminho”.

“Atualizei os líderes sobre os bons progressos que temos com a nossa campanha de vacinação. Já entregámos mais de 200 milhões de doses ao povo europeu e, por isso, estamos no bom caminho para atingir o nosso objetivo de entregar doses suficientes até julho para vacinar 70% da população adulta europeia”, divulgou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Falando aos jornalistas no final de um Conselho Europeu informal, no Palácio de Cristal do Porto, a líder do executivo comunitário assinalou que “a administração de vacinas é ainda melhor”, sendo que “os números são próximos dos 160 milhões de europeus que já receberam uma primeira dose, o que corresponde a mais de 25% da população da UE”.

“Esta é uma boa notícia e vamos continuar assim”, garantiu Ursula von der Leyen.

Ainda esta manhã, a Comissão Europeia anunciou um novo contrato de aquisição de 1,8 mil milhões de vacinas da Pfizer/BioNTech contra a covid-19 para 2022 e 2023 e, sobre esta questão, a responsável disse ter ficado “satisfeita pela conclusão das negociações”.

Isto porque este novo contrato irá permitir abranger crianças e adolescentes que, “mais cedo ou mais tarde”, terão de ser vacinados, irá garantir reforço da vacinação além das duas doses e ainda responder às “chamadas variantes de preocupação”, elencou Ursula von der Leyen.

“O caminho para ultrapassar a pandemia é através da campanha de vacinação, mas é claro que não podemos baixar a guarda e temos de nos preparar para o futuro”, acrescentou a líder do executivo comunitário, anunciando também novos contratos semelhantes para aquisição de compras “baseadas em outras tecnologias como as baseadas em proteína [spike]”.

Já abordando a discussão em curso sobre a criação do certificado verde digital, Ursula von der Leyen classificou este como “um tópico que foi importante [porque], naturalmente, todos estão a pensar na estação do verão”.

“É importante para que as pessoas planeiem com antecedência as férias e é igualmente importante para os trabalhadores do turismo, da hotelaria ou do setor dos transportes que esperam estar de novo no ativo e para as empresas, claro, desses setores que esperam começar a recuperar”, assinalou Ursula von der Leyen.

Para tal, além do “parâmetro-chave que é a vacinação”, também “devemos permitir viajar dentro e para a União Europeia”, insistiu a líder do executivo comunitário, revelando que “o trabalho jurídico e técnico sobre o certificado está no bom caminho para que o sistema esteja operacional” em junho.

Isto porque, “graças ao excelente trabalho da presidência portuguesa do Conselho e devido à rapidez dos parlamentos em chegar a uma posição, podemos realisticamente visar um acordo político até ao final deste mês”, adiantou.

Em causa está a proposta legislativa apresentada pelo executivo comunitário em meados de março para a criação de um certificado digital para comprovar a vacinação, testagem ou recuperação da covid-19, um documento bilingue e com um código QR que deve entrar em vigor até junho para permitir a retoma da livre circulação na UE no verão.

Em meados de abril, os Estados-membros da UE aprovaram um mandato para a presidência portuguesa do Conselho negociar com o Parlamento Europeu a proposta de implementação deste certificado verde digital.

No final de abril, foi a vez de a assembleia europeia adotar a sua posição negocial, passo após o qual arrancaram as negociações interinstitucionais.

*Com Lusa