O governo britânico estava determinado a expulsar para o país africano pelo menos dez imigrantes ilegais na primeira aplicação de uma política migratória defendida como uma questão de "princípios", mas qualificada de "imoral" pela Igreja Anglicana.
No entanto, a interposição recursos judiciais junto do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que emitiu uma decisão urgente do caso, levou a ficar em terra o avião fretado especialmente para a ocasião e que cuja fretagem custou centenas de milhares de euros.
"Último bilhete cancelado. NINGUÉM VAI AO RUANDA", escreveu a organização beneficente de apoio aos refugiados Care4Calais no Twitter.
"Recursos legais e alegações de última hora fizeram com que o voo de hoje não tenha podido descolar (...) Não nos dissuadiram de fazer o que é certo", disse a ministra britânica do Interior, Pitri Patel."A nossa equipa legal está a rever cada decisão tomada sobre este voo e a preparação para o próximo voo começa agora", acrescentou.
O Executivo de Boris Johnson quer mandar os migrantes para este país do leste da África, situado a 6.500 km de Londres, para desincentivar as chegadas ilegais pelo Canal da Mancha, que não param de aumentar.
"Haverá gente neste voo e se não for neste, será no seguinte", assegurou a ministra dos Negócios Estrangeiros, Liz Truss, ao canal Sky News. "O que realmente importa aqui é estabelecer este princípio" e "romper o modelo de negócios destas pessoas abomináveis, estes traficantes que comercializam com a angústia" dos migrantes, acrescentou.
"Não nos vamos deixar dissuadir, nem obstruir de nenhuma forma por algumas críticas", disse, por sua vez, o primeiro-ministro Boris Johnson.
Do lado do Ruanda, o governo disse-se disposto a receber "milhares" de migrantes e voltou a defender o acordo, considerando-o uma "solução inovadora" para um "sistema global de asilo exaurido".
Não obstante este cancelamento, a porta-voz do governo, Yolande Makolo, fez saber que o Ruanda "continua completamente comprometido a fazer com que esta aliança funcione" e continua "preparado para receber os migrantes quando eles chegarem e para oferecer segurança e oportunidades" no país.
Em Calais, na costa norte da França, de onde partem muitos migrantes rumo ao Reino Unido, alguns que encaram potencialmente a travessia pelo Canal da Mancha não parecem impressionados com esta medida "dissuasória". Moussa, por exemplo, de 21 anos e vinda do Darfur, no Sudão, diz querer ir para o Reino Unido para "obter papéis" e porque já fala inglês.
"Atravessaram tantos países, enfrentam tantas situações de stress e perigos imediatos" que vão correr este risco, explicou à AFP William Feuillard, coordenador da associação L'Auberge des Migrants.
As travessias ilegais do Canal da Mancha são o calcanhar de Aquiles do governo conservador britânico e provocam tensões constantes com a França.
Desde o começo do ano, mais de dez mil migrantes atravessaram ilegalmente da costa francesa para a inglesa em embarcações precárias, o que supõe um número recorde em relação a anos anteriores.
Em virtude do seu acordo com as autoridades ruandesas, Londres financiará inicialmente o plano com 120 milhões de libras (157 milhões de dólares, 140 milhões de euros). O governo de Kigali afirmou que dará aos migrantes a possibilidade de "se estabelecerem permanentemente".
"Esta política imoral envergonha o Reino Unido", reagiram os líderes da Igreja Anglicana, entre eles o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, o arcebispo de York, Stephen Cottrell, e 23 bispos, numa carta publicada no jornal The Times. "A nossa herança cristã deveria incentivar-nos a tratar os solicitantes de asilo com compaixão, equidade e justiça", sublinharam.
Mas Truss relativizou estas críticas. "A nossa política é totalmente legal e totalmente moral", afirmou a ministra, assegurando que Ruanda é "um país seguro". "Os imorais neste caso são os traficantes", acrescentou.
Para aumentar a polémica, o príncipe Charles, herdeiro do trono britânico de 73 anos, qualificou em caráter privado o plano governamental de "horroroso", noticiou no sábado o jornal The Times.
No Ruanda, país chefiado pelo presidente Paul Kagame desde o fim do genocídio de 1994 em que, segundo a ONU, 800 mil pessoas morreram, o governo é regularmente acusado por ONGs de reprimir a liberdade de expressão, de crítica e a oposição política.
Os migrantes deportados serão alojados no albergue Hope de Kigali, que "não é uma prisão", mas um hotel onde os residentes serão "livres" para partir, segundo o seu diretor, Ismael Bakina. O estabelecimento tem capacidade para 100 pessoas, com pagamento diário habitual de 65 dólares por pessoa.
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