Num jogo de futebol, todas as câmaras perseguem, por norma, os astros de chuteiras calçadas, seguem a bola, focam as balizas, sempre à espera de transmitir as redes a abanar e a felicidade do jogador na hora do golo, ou, ao invés, a infelicidade de quem sofre ou comete o erro fatídico.

A equipa da arbitragem, por seu lado, chama a si as atenções, a maior parte das vezes, na hora de grandes decisões, com mais ou menos polémica à mistura. Em faltas, golos, após análises de lances duvidosos, conversa com o VAR ou diálogos com os jogadores.

Sem o peso da ciência das estatísticas futebolísticas, o SAPO24 procurou acompanhar, com o rigor que o olho lhe permitiu, a ação de Stéphanie Frappart, a francesa de 36 anos, 1 metro e 64 centímetros de altura, que entrou para a história do futebol mundial por ser a primeira árbitra principal num jogo da Liga dos Campeões.

Desde logo, o melhor resumo que se poderá fazer da atuação nos 90 minutos regulamentares (quatro de desconto, no total) da partida da 5ª jornada da prova europeia é que “não se deu por ela”. Uma frase que no futebol ganha contornos de “nota +”.

A mão esquerda que embala a bola

Quando Stéphanie Frappart pisou o relvado ao lado de Cristiano Ronaldo, Morata, De Ligt e companhia, não foi a primeira vez que se viu rodeada de estrelas da bola.

A francesa nascida em Herblay-sur-Seine que começou por dar pontapés muito jovem antes de se decidir, precocemente, pelo apito na boca, carrega nas insígnias FIFA um currículo de fazer inveja a muitos árbitros... homens.

Com 175 jogos, de acordo com o Transfermarkt, foi a primeira mulher a apitar um encontro oficial internacional masculino, no caso, da Liga das Nações (Malta-Letónia, a 6 de setembro) e arbitrou dois encontros da Liga Europa, Leicester-Zorya Louhansk (22 de outubro) e Granada-Omonia Nicosia (26 de novembro). Antes, apitara a Supertaça europeia de 2019, que opôs o Liverpool ao Chelsea (agosto de 2019), a final do Mundial feminino, no mesmo ano, foi a primeira mulher na Ligue 1 (2019), estreando-se no Lyon- Marselha, de André Villas-Boas, e tinha sido o primeiro apito, no feminino, na segunda divisão francesa (2014).

Ontem, na Liga Milionária, entrou ladeada pelos franceses Hicham Zakrani, Mehdi Rahmouni (árbitros auxiliares) e Karim Abed (quarto árbitro). Benoît Millot e Willy Delajod, estavam na retaguarda, no vídeo árbitro (VAR). Uma mulher entre cinco homens.

Equipada com relógios em ambos os braços, entre os capitães, Bonucci (Juventus) e Sydorchuk (Dínamo de Kiev), atirou a moeda ao ar com a mão direita. Em sorte, o primeiro pontapé de saída inclinou para a equipa do Leste da Europa.

20 faltas e um apito que pouco se ouviu

Nos números contabilizados no final do encontro, a Juventus sofreu, de acordo com o Goalpoint, 12 faltas, contra oito do Dínamo de Kiev. Shaparenko, nº10 dos ucranianos foi o mais faltoso (cinco), enquanto Alex Sandro e Mackennie, da Juventus, as maiores vítimas, tendo sofrido, cada qual, três faltas.

A partida pouco faltosa, 20 faltas no total, poderá ajudar a explicar os escassos e espaçados sopros saídos da boca da árbitra francesa. A outra explicação, residiu na tranquilidade com que geriu a partida.

Sem uma certeza estatística (não há para a equipa de arbitragem), recorrendo ao nosso audímetro, Stéphanie Frappart apitou, nos primeiros 45 minutos, num som tão audível quanto as vozes dos jogadores (ausência de público explica o facto), dois fora-de-jogo a punir a Juventus e cinco faltas cometidas pelos italianos. Nas três ações à margem da lei por parte dos jogadores do Dínamo de Kiev, só por duas vezes sentiu a necessidade de se fazer ouvir.

No segundo tempo, as infrações mudaram de campo e os ucranianos ouviram a “voz” de Stéphanie Frappart em 12 ocasiões, que incluem nove faltas marcadas, deixando para dois cantos e um lançamento, o resto da música. Do lado italiano, o disco foi outro. Cinco “passa a bola, mas não o jogador”, um lançamento e um pontapé de baliza. Mais apito, menos apito.

Somamos ainda cinco substituições feitas ao som da orquestra (três para a Juventus e duas para o Dínamo de Kiev), num total de 10 vezes em que o quarto árbitro levantou a placa com os números que entraram e os que saíram.

Retiramos da equação as vezes que a primeira árbitra no centro das atenções da Champions League assinalou os golos, início e fim das duas partes do embate.

Sem grandes conversas e dois apertos de mão

Frappart fez a formação como jogadora de meio-campo, e, foi, essa zona do terreno, que mais vezes pisou. Uma ressalva, o jogo comandado à distância, não significa que não tivesse pedalada para acompanhar os homens de ambas as equipa.

Aos nove minutos, mostrou o primeiro amarelo a Betancur (Juventus). Repetiu o gesto a Zabarny (D. Kiev), 15 minutos depois. Em ambas as ocasiões, foi de poucas conversas.

Cumprimentou Chiesa, após o extremo italiano ter reclamado uma falta, ordenou a Morata para se levantar quando o avançado espanhol ao serviço do 11 italiano sentiu um bafo na grande área e ignorou os protestos de Verbic (D. Kiev), na zona do terreno onde cheira a golo.

Apito para o descanso, sem mais nada a registar.

No regresso ao relvado, Stéphanie Frappart voltou a transportar a bola na mão esquerda. No túnel, acertou um relógio, acariciou o esférico com as duas mãos e entregou-o a Morata, para reposição de jogo.

O golo de Ronaldo, ao minuto 57’ levou-a consultar o VAR. Com uma calma seráfica, aponta o centro do terreno. O  750º golo da carreira de CR7 é celebrado ao retardador. Viria, ainda, a apitar, pela terceira vez, para o reatamento da partida após o terceiro, e último golo do encontro.

A autoridade sobressaiu na amostragem de um amarelo a Shaparenko, por protestos. Um cartão classificado como "escusado" na base de dados da Goalpoint.

Após três minutos de desconto, escutaram-se os habituais três apitos que assinalam o final do jogo, som acompanhado com um gesto de mãos em direção ao meio-campo.

Estava terminada a partida histórica na qual 22 homens dançaram ao som do apito de uma mulher. De Stéphanie Frappart.

As câmaras filmaram vencidos e vencedores, antes mesmo de focarem a lente no cumprimento de Frappart a Andrea Pirlo, treinador da Juventus. Fim de jogo. Fim de emissão.

Uma emissão que entra para a história. E que poderá alimentar, para o ano, um novo capítulo, do documentário realizado pela UEFA, “Man in the Middle” (os Homens no meio), estreado em finais de novembro. Ao todo, quatro episódios, que acompanham a vida profissional e privada de 16 árbitros de 11 países ao longo de 18 meses (entre fevereiro de 2019 e agosto de 2020), entre os quais Daniele Orsato, árbitro da final da Liga dos Campeões, Danny Makkelie, o homem do apito na final da Liga Europa, e Anthony Taylor, que dirigiu a Supertaça Europeia.