Há qualquer coisa de diferente na liga espanhola este ano. O FC Barcelona, sentenciado pelos críticos na pré-época, lidera, e o Real Madrid todo-poderoso desilude, com um terceiro lugar a oito pontos do primeiro classificado. Mas entre os dois gigantes espanhóis surge um outro gigante adormecido: o Valência, segundo classificado.
O clube ché está a dar cartas e ainda não perdeu nenhum jogo esta temporada para a liga. No meio de toda esta revolução, há um português com grandes responsabilidades. Há sempre um português, não é verdade?
Quando o clube foi adquirido por Peter Lim, foi Nuno Espírito Santo o escolhido para liderar a equipa. Correu bem na primeira época, mas depois de um começo atribulado na segunda temporada, o atual timoneiro dos Wolves (e ex-técnico do FC Porto) foi despedido.
Nessa altura, NES não foi caso único. Pelo Mestalla passaram também André Gomes, João Cancelo e Nani, nomes que, entretanto, já abandonaram o clube. Por lá, contudo, está ainda o central Rúben Vezo e o homem pelo qual continuamos a prolongar este pequeno prefácio: Gonçalo Guedes.
Não é difícil de encontrar Guedes quando mudamos de canal para um jogo do Valência: o jovem de 20 anos é aquele que corre como ninguém e deixa os adversários para trás. É aquele que chega à entrada da área e, sem medo, levanta a cabeça e remata. Chegou esta temporada já o calendário da liga corria, mas isso não o inibiu. Chegou, viu e venceu. Conquistou os adeptos e maravilhou a crítica.
Esta é a nova vida de Gonçalo Guedes.
“A era Guedes”, dizem em Valência
“Guedes ainda não protagonizou uma época, acabou de chegar, como quem diz, e ainda por cima emprestado. Ele ainda não começou a sua grande epopeia. E, no entanto, ele é um jogador de futebol diferente. Os próprios companheiros reconhecem-no. Sabem-no os fãs, ele sabe (porque, de outra forma, não ousaria fazer o que faz), os rivais sabem a partir de agora, e os diretores das outras equipas começam a saber. Ou não sabiam que ele ainda estava em Paris, ou tinham talento que sobrava. Mas aqui estávamos tão sedentos…”. Este é um excerto de uma crónica da autoria de Manu Badenes, comediante e autor de uma coluna de opinião no jornal desportivo da comunidade valenciana, o Superdeporte. O título? “A era de Guedes”.
É impressionante aquilo que o jovem extremo português fez em apenas 9 jogos pelo Valência: três golos, cinco assistências e a comunidade valenciana a seus pés. Tudo isto num crescendo de forma que Guedes não foi capaz de alcançar no Paris Saint-Germain, clube onde esta época se esperava que explodisse, mas que a contratação de Mbappé e de Neymar, as duas mais caras da história de futebol, adiaram. Ou, melhor dizendo, recolocaram. Porque Guedes explodiu mesmo.
Mesmo no Benfica, de onde saiu com um assinalável registo de 11 golos e 16 assistências em 68 jogos, o internacional português não conseguiu manter um nível exibicional estável. Ora numa semana deixava os defesas todos para trás e fuzilava a baliza e servia os artilheiros com assistências, como noutra era capaz dos erros mais propícios à sua tenra idade.
Agora somam-se golos de encher o olho e uma influência notável dentro da equipa. Gonçalo Guedes é o rosto de um novo Valência, jovem mas maduro. Rápido e alegre. E acredita-se que, jogando com regularidade, o ex-Benfica pode atingir já um outro patamar. A crítica sabe-o, o Valência sabe-o e o PSG sabe-o, ou não fosse este um empréstimo feito pela equipa parisiense sem uma cláusula de opção de compra. Quando se mudou para a capital francesa, a troco de 30 milhões de euros, o português não foi para a sombra daquela constelação. Veio para o futuro.
Quem acreditou sempre que esta era uma realidade ao alcance de Gonçalo foi o seu pai, Rogério Guedes, que quando o extremo chegou à equipa principal, apenas com 17 anos, perdia-se entre viagens para levar o filho aos treinos. “Trabalhava em Lisboa e tinha que ir a Benavente apanhá-lo e depois voltar novamente para Lisboa para ele treinar com o Benfica. Assim, fazia o mesmo percurso duas vezes por dia. Foi duro, mas sabia que ele estava a aproveitar todos os momentos e que gostava muito do futebol. Chegou à primeira equipa com 17 anos porque trabalhava muito. Sempre jogou com miúdos mais velhos e todos nos diziam que o Gonçalo tinha condições para ser profissional. Como pai, tentei fazer de tudo para que isso acontecesse”, sublinhou à Radio Marca.
O modelo a seguir é um, e parece estar na liga certa para isso mesmo: CR7. “O meu filho gostava de seguir as pisadas de Cristiano Ronaldo. Como objetivo, como ídolo e companheiro de seleção e mais do que uma vez eleito o melhor do mundo. A referência para os jovens é Cristiano Ronaldo e isso ajuda a crescer”, acrescentou o pai em declarações à Radio Marca.
Golaços com prazo de validade
Num texto intitulado “Golaços de aluguer”, o jornal espanhol El País pinta um Valência rendido à técnica do recém-chegado extremo que ninguém quer ver partir.
A ironia das ironias, sublinha o diário espanhol, é que o emblema ché teve a oportunidade de contratar Guedes ao Benfica por 25 milhões de euros, no verão de 2016. Mas depois de o clube ter comprado Garay e garantido o empréstimo de Mangala, ao Manchester City, os cofres valencianos já não tinham zeros suficientes para satisfazer os pedidos dos encarnados.
Agora, e se o português mantiver o atual momento de forma, o valor deverá disparar exponencialmente o que faz com que a permanência do português na próxima época no Mestalla seja classificada como “utopia”. Primeiro porque o PSG poderá querer reintegrá-lo na equipa. Depois, porque a outra opção será vendê-lo e, tendo em conta o investimento feito e a necessidade que o clube de Nasser Al-Khelaifi tem de equilibrar as contas para cumprir as regras de fair play financeiro, parece pouco provável que o seu valor se aproxime muito dos 25 milhões de euros que, outrora etiquetavam o extremo.
Comentários