O Sporting apanhou voo e seguiu viagem até ao coração da Ucrânia, bem no centro do ex-território soviético. O destino ditava jogo no Estádio Oleksiy Butovsky (em honra do Tenente General do Exército Imperial Russo e um dos fundadores do Comité Olímpico Internacional), num encontro a contar para a segunda jornada da fase de grupos da Liga Europa. A bola começou a rolar à hora prevista, cerca das 17h55, num final de tarde soalheiro em Lisboa; em Poltava, o relógio assinalava mais duas horas num país onde já era viva a noite.

Quis o destino que o jogo fosse como um filme. Mas um daqueles mauzinhos cujo final vem desvendado quase nos créditos e que só aqueles que ficam até ao fim apanham. Daqueles que se uma pessoa vir o início, saltar quase tudo e apanhar só o fim, acaba por não perder grande coisa. A vitória saiu à equipa visitante, pela margem mínima, 2-1. E serviu igualmente para assinalar uma importante nota mental: o jogo só termina quando o árbitro apita, nunca antes. O Sérgio Ramos segue esta máxima e já ganhou uns quantos títulos. E nós devíamos ser mais como o Sérgio Ramos (nesta vertente, não no resto).

Sobre o adversário europeu em causa, a nível desportivo, não há muito a assinalar para além de uma Taça conquistada em 2009 e de um terceiro lugar na última campanha da Premier League ucraniana. Porém, quem cursou História ou tem interesse especial pela Rússia, pode saber um bocadinho mais sobre o local que dá nome ao clube e rio, devido à Batalha de Poltava, durante a Grande Guerra do Norte, no séc. XVIII.

Mas mais bola, menos floreado.

Ora, para conquistar pontos na Ucrânia, José Peseiro fez regressar Nani (com braçadeira), deu oportunidade no lado oposto do ataque a Carlos Mané (que regressava de grave lesão), trocou Ristovski por Bruno Gaspar e deixou encarregue o ataque às botas de Diaby. Na defesa, Jefferson também fez parte do quarteto defensivo, enquanto Acuña regressou ao meio-campo para o lado de Petrovic. Todavia, este é um exemplo claro de que num jogo contra uma equipa teoricamente mais fraca, na Liga Europa, se não se jogar com todo o afinco, a coisa pode vir a dar para o torto. Hoje, somaram-se três importantes pontos numa jornada que o favorito ao 1.º lugar do Grupo E, o Arsenal, cumpriu (vitória por 3-0) no Azerbaijão. Porém, fica o aviso.

Os golos dos ‘leões’ só chegaram nos instantes finais, mas ficou sempre a sensação, ao longo de todo o encontro, que a equipa portuguesa apresentava uma qualidade superior e que o seu adversário iria apostar no contragolpe para tentar apanhar a turma de José Peseiro a dormir à sombra da bananeira. Ainda assim, se o jogo tivesse tido lugar no Football Manager, a primeira parte era pela certa descrita como tendo sido «um deserto de ideias» pelo motor de jogo. E se é verdade que os ucranianos do Vorskla entraram na partida mais esclarecidos, inaugurando inclusivamente o marcador, o Sporting reagiu e pareceu sempre a melhor das duas equipas. Era dono e senhor no que à posse de bola dizia respeito, mas perigo só mesmo à beira do intervalo, praticamente na hora de recolher aos balneários; Nani, o capitão e mais experiente nestas andanças, teve nos pés a oportunidade para restabelecer a igualdade, mas falhou de forma clamorosa. Não havia muito a fazer naquele lance: o cruzamento de Jefferson saiu tenso, forte e a bola caiu redondinha nos pés do extremo português, que dominou da melhor forma mas rematou frouxo, enquanto o lance pedia uma valente bojarda lá para dentro para fazer balançar a rede.

O lance do golo (10’) dos ucranianos que abriu o marcador, acontece na sequência de um cruzamento da direita e em que André Pinto alivia mal, a bola fica a saltitar nas imediações da grande área e Kulach, descaído sobre a ala, sem pedir licença, disparou para o poste mais distante e protagoniza um tento de belo efeito — Salin ainda toca na bola, mas foi insuficiente.

Na segunda parte foi mais do mesmo. Posse, Sporting instalado no meio campo dos ucranianos «a comer areia» num autêntico deserto de futebol que pairava no terreno de jogo — promovido por ambas as partes, de resto. Os homens da casa procuravam explorar as costas da defesa dos ‘leões’ em saídas rápidas, como se o técnico ucraniano soubesse que não adiantava muito tentar fugir ao óbvio: tentar arrancar um golo na exploração do contra-ataque. Lá está, o jogo termina quando o árbitro apita e segurar em demasiada um golo de vantagem pode ser tremendamente cruel. E assim foi.

Porém, o final começou a desenhar-se a meio (da segunda-parte, entenda-se) com a entrada de Montero aos 58’ em detrimento de Mané. O extremo bem tentava, mas pareceu sempre que o técnico se precipitou um pouco ao dar a titularidade a um jogador que vinha de uma longa paragem, já que o físico nem sempre acompanhou a vontade e ex-Estugarda nunca conseguiu desequilibrar através da velocidade.

No banco, Peseiro sentia que os jogadores no campo estavam a sentir os minutos a passar e o placard não se alterava — e em boa hora decidiu mudar de estratégia. Palpitava nervosismo, ecoava frustração nos jogadores do Sporting. É então que Acuña passa para a esquerda, bem aberto; depois, mexida no tabuleiro, à passagem do minuto 70, com duas peças que viriam a revelar-se certeiras, em duas substituições de uma assentada e que iriam estar diretamente ligadas aos golos: sai Petrovic, entrou Jovane Cabral (marcou); saiu Diaby, entrou Raphinha (começou a jogada).

A partir desta altura praticamente só deu Sporting. Contudo, a equipa do técnico ribatejano atacava muito, tinha muita bola, mas não trabalhava bem à frente da baliza na hora da finalização. Neste capítulo, dois lances praticamente seguidos demonstram bem isso mesmo: Nani (76’) uma vez mais não conseguiu concretizar uma boa oportunidade (embora não tão flagrante), num golpe de cabeça que acabou nas mãos de Bodgan Shust, após cruzamento de Raphinha; Montero (79'), dentro da pequena área, de pontapé de bicicleta, não marcou porque o guardião ucraniano estava bem posicionado ao pé do poste e evitou aquilo que era um golaço do colombiano. Até que chegou o minuto 90’.

Jefferson, que se fartou de perder duelos e bolas durante todo o encontro, soltou um cruzamento tenso, largo e na direção de Montero. Este faz uma recepção com a peitaça que merecia golo de qualquer maneira, trabalhou bem o defesa com um golpe técnico, e num remate rasteiro e em arco coloca a bola no poste contrário, longe do alcance de Shust; se antes este lhe tinha tirado uma bicicleta, agora foi El Avioncito a levar a melhor.

Depois, quando ainda se estava a fechar o empate, Jovane Cabral, que até aí tinha entrado cheio de vontade de fazer algo mas que nunca tinha feito nada para materializar a mesma, fez balançar a rede num lance rápido de contra-ataque que começou numa transição em posse de Raphinha, descaído sobre a direita, que abriu para o coração da área na direção de Bruno Fernandes; este não consegue dominar da melhor forma devido à saída eminente de Shust, atrapalha-se, mas a bola sobra para o jovem leonino que só teve de empurrar para a vitória. Foi ao cair do pano, num plot twist digno de uma drama que trouxe uma satisfação que só uma remontada consegue trazer. Satisfação a dobrar, caso seja já nos descontos. No entanto, isto não apaga tudo aquilo que ficou para trás e que, quando se troca as peças, fica vincado que o plantel peca por soluções para além dos 11 principais.

Perto do fim, quando já muitos vaticinavam o resultado final, o leão colocou justiça no marcador. A existir um vencedor, ainda que esta não tenha sido uma partida bem disputada durante grande parte do tempo, o desfecho teria que pender sempre para os portugueses. Pelo coração dos adeptos, pela alegria e até por Jubas (a campanha que tem estado a dominar as redes sociais que exige a libertação da mascote do Sporting).

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso, ó meu?

Na região Oeste do nosso querido Portugal existe uma expressão desportiva sobejamente conhecida entre os fãs da bola (pelo menos para aqueles que andam na casa dos trinta): "Soobeeeeee Bombarraaaal!". Trocado por miúdos, isto não é mais do que um futebol de biqueirada para a frente. Ou seja, não há cá espaços para rodriguinhos, é preciso apelar à eficiência e mandar charuto para o ataque. Sem desprimor para o Bombarralense, era o que se ouvia nos pelados durante a adolescência. Pois bem, adivinhem quem parece que nunca passou pela zona para cortar uma bola? Pois é, André Pinto, ali é para varrer à séria e o Diaby que corra atrás do perigo.

Shust, a vantagem de ter duas pernas

A defesa do guarda-redes da turma ucraniana não foi com recurso às duas pernas, mas bem que fez uso de uma delas para tirar um golo a Montero. Falamos do lance em que este trabalhou bem na área e esteve quase a fazer o golo de pontapé de bicicleta. Não se escreveu em cima que o "colombiano fez tudo bem" neste lance por sua culpa.

Fica na retina o cheiro de bom futebol

Ficou na retina que não se soltou grande cheiro ao nível do bom futebol. Foi tudo muito limpinho, sem grande odor futebolístico. Ainda assim, houve bons momentos individuais. Montero, em apenas 12 toques na bola, fez grande parte deles. É por isso que se tem que assinalar o momento do primeiro golo. Excelente domínio e requinte técnico bem apurado na hora de tirar o defesa da frente, que culminou numa boa finalização.

Nem com dois pulmões chegava à bola

Carlos Mané voltou a vestir a camisola do Sporting CP, mas a coisa não se traduziu naqueles regressos muito audazes. Bem que tentou, mas não conseguiu fazer a diferença. Peseiro quis dar minutos, considerou ser o encontro ideal para o jogador ganhar forma. Só que, bem vistas as coisas, parece que serviu apenas para isso mesmo: ganhar pulmão.