Aleksandr Nedovyesov, nº 60 do ranking ATP (em pares), é um dos tenistas ainda em prova no Millennium Estoril Open. O atleta cazaque faz dupla com Aisam-Ul-Haq Qureshi, paquistanês que formou ao lado do indiano Rohan Bopanna a parelha da paz - Indo-Pak Express –, trazendo para os courts a união de dois países em conflito devido a questões fronteiriças.

“É segunda vez que jogamos lado a lado. Perdemos na primeira ronda em Belgrado (ATP 250). Ponho desta forma: fizemos o trabalho de casa, aprendemos com a derrota. Hoje jogamos melhor e acabamos por vencer”, disse na zona mista após o encontro de pares no qual derrotaram a dupla Tomislav Brkic e Nicola Cacic. Hoje, os adversários são J. Murray e M. Venus.

A prestação de Nedovyesov no Estoril Open passa, no entanto, para segundo plano. Em sentido inverso, a parte pessoal emerge e ganha relevo em relação aos feitos no Clube de Ténis do Estoril, único torneio português a receber uma prova do ATP, principal circuito de ténis mundial.

A razão é simples: Aleksandr Nedovyesov nasceu na Ucrânia, na cidade costeira de Alushta, na região da Crimeia, em 1978. Em 2014 mudou de nacionalidade e passou a ser cidadão do Cazaquistão. Tudo normal, até aqui, uma mudança idêntica a tantas outras por esse mundo fora. Mas o dia 24 de fevereiro viria a mudar-lhe o rumo e vida, como veremos.

créditos: Aleksandr Nedovyesov e Aisam-Ul-Haq Qureshi (dupla) | Mark Brown / AFP

“Mudei de nacionalidade antes da invasão da Crimeia”

Começa por falar da mudança de nacionalidade. À pergunta sobre as razões subjacentes dispara com uma resposta que diz ser simples: “A federação Cazaque ofereceu-me melhores condições para evoluir e apoiar a minha carreira”, começou por dizer o tenista que entrou no top-100 do ranking de singulares do ATP ainda enquanto ucraniano e que chegou a ser o número 2 daquele país do leste europeu.

“É óbvio que falamos de dinheiro, claro que conta”, assumiu, de seguida. “Não podemos jogar sem o dinheiro. Tens de viajar, os hotéis, comida, pagar aos treinadores e não é barato. É caro. Não vou esconder que o dinheiro não pesou. Mas não é tudo sobre dinheiro. Não”, admitiu.

Aprofunda a resposta. “É sobre mim e sobre a relação com a federação. É a pergunta que me fazem e a resposta que dou sempre, já não me surpreendem mais”, sorriu. “Claro que o dinheiro é importante, mas também é a parte da relação com a federação. Podiam ter escolhido outros jogadores, calculo que tenham falado com outros, mas confiaram em mim”, detalhou.

A troca de bandeira ao peito “do ponto de vista mental não foi fácil”, reconhece, no entanto. “Mas os dois lados estão satisfeitos e sinto-me muito contente por ter feito a mudança. E estou muito contente em representar o Cazaquistão”, reiterou.

O local de nascença e a data de mudança de passaporte desperta a curiosidade e outra questão. “Para ser honesto, mudei de nacionalidade antes da invasão da Crimeia”, afasta a ligação causa-efeito. Talvez tenha sido um timing feliz”, reconheceu a coincidência.

Razões políticas à parte, a mudança ocorreria de “qualquer forma”, atirou. “Começamos o processo e negociações em 2013, um ano antes. Foi um processo longo, tratar do passaporte e de toda a papelada, mas no final, quando mudei de nacionalidade já tinha acontecido (a anexação da Crimeia por parte da Rússia). Não tomei a decisão por causa da invasão”, garantiu o tenista que entre 2007 e 2011 estudou e jogou pela Universidade de Oklahoma, onde foi atleta universitário do ano no circuito universitário americano.

créditos: Mark Brown / AFP

“É pura guerra. Mostro, se quiseres, fotografias e não vais querer vê-las

Assunto encerrado. O tema internacional do dia, a situação no seu país de nascença, tomou, a partir de então, conta das palavras de Nedovysevov.

“A minha mulher e filho são ucranianos”, confidencia. “Apesar de representar o Cazaquistão, estou radicado na Ucrânia. Estou lá sempre”, apontou. “Estava em Kharkiv, segunda maior cidade ucraniana, que desde 24 fevereiro ficou debaixo de bombardeamento sem parar”, soltou. “Felizmente, estava a jogar dois eventos – Dallas e Delray Beach, Florida (entre 7 e 14 de fevereiro), levei a minha mulher e filho comigo e desde então nunca mais voltámos à Ucrânia”, suspira.

Fez uma pausa. Respirou fundo. “Espero um dia poder regressar à Ucrânia com a minha família. Espero que algo mude e acredito mesmo que esta catástrofe acabará e a Ucrânia vencerá, de qualquer forma”, antevê.

Foca-se no tema que lhe toma conta das emoções. “É pura guerra. É uma invasão. Mostro, se quiseres, fotografias e não vais querer vê-las”, exclama, de voz presa, contendo as lágrimas, sem evitar algumas a escorrer pela face.

Regressa, por instantes, um frame atrás no filme. “Para ser honesto, quando estamos a ficar mais velhos, prefiro ficar mais tempo com a família quando não jogo torneios. É por isso que estava a passar mais tempo na Ucrânia do que em Nur-Sultan (capital o Cazaquistão, antiga Astana)”, onde está o centro nacional de ténis cazaque, detalha. 

O orgulho nos ex-tenistas que pegaram em armas e a resposta pessoal que não tem

Tenistas ucranianos (e outros desportistas), no ativo e já reformados, têm escolhido as armas em detrimento das raquetes. Aleksandr Nedovyesov cita dois deles.

Sergiy Stakhovsky e Alexandr Dolgopolov. Como nota adicional, o primeiro terminou a carreira após o Australian Open (226.º no ranking mundial – foi 31.º em 2010.). O segundo chegou a ser 13.º no ranking ATP, terminou a carreira em maio de 2021, com 32 anos.

Instado a responder se estaria nos seus planos um putativo regresso temporário ao país onde nasceu, à imagem dos seus compatriotas, Nedivyseov reconhece não ter uma reposta certa. “Primeiro, orgulho-me muito deles. Da decisão que tomaram e puderam tomar. Decisão dura. Não é fácil”, admite. “Nem todos são tão corajosos como eles que tomaram essa decisão”, constatou, levando os punhos cerrados ao peito, um gesto de tons patrióticos.

Pegaria Nedovyesov em armas? “Eu? Não é fácil dizer. Para ser honesto, este é o meu único trabalho. A minha mulher perdeu o emprego, não pode trabalhar agora, toda a minha família perdeu o emprego, sou necessário para providenciar o sustento para vivermos uma vida normal”, explica. “Necessito de viajar, jogar, tentar ganhar dinheiro, necessito de trabalhar”, acrescenta.

“Não digo assim: sou corajoso e assim que acabe este jogo vou para lá. Não. É mesmo uma decisão difícil”, remata. “Os jogadores que foram, já não jogam ténis, talvez tenha sido mais fácil”, repetiu. “Se noutra situação, noutro contexto, se pegava em armas”, questiona. Responde, humildemente. “Não sei. Não sei”, repete e termina a conversa.