Ana Markovic é jogadora de futebol dos suíços do Grasshoppers. A internacional de 24 anos é também empresária, co-fundadora da reloadz, água proteica.
Croata, a viver na Suíça, para além da bola e dos negócios ainda lhe sobra tempo para se dedicar às redes sociais, palco onde promove o futebol feminino e mostra o seu lado mais íntimo e saudável. Sem vergonhas e com o aval do emblema que representa.
A conta do Instagram tem 2,9 milhões de seguidores. É reconhecida como influencer, mas não gosta do rótulo. Nem de ser apelidada de sexy.
A recuperar de uma rotura aos ligamentos cruzados do joelho direito, Ana Markovic passou pela Web Summit. Esteve num painel a falar sobre os atletas e as redes sociais, respondeu a perguntas de uma plateia (Q&A) e conversou com o SAPO24 sobre futebol, contratações, redes sociais, ódio, abordagens sexistas, beleza e futuro. Dela, e do futebol feminino.
“Inspirar as meninas e mulheres, mesmo que os pais digam que é um desporto de homens”
Começou por emendar um mito urbano. “Nasci na Suíça e não na Croácia, é um erro na Wikipédia, mas cresci como croata, tenho pai e mãe croata e tenho a mentalidade croata. E sangue suíço!”, explicou na apresentação feita no Q&A da cimeira tecnológica.
“A mentalidade é assim: sou aberta; quando não gosto de algo, digo, quando não quero falar, não o faço e quando quero falar, falo”.
Acrescentamos um detalhe. O coração está em Portugal. “O meu namorado [Tomás Ribeiro] joga no Vitória Guimarães. Dizem-me que Portugal começou ali e o futebol é tradicional na cidade. O ambiente é fantástico”, assinalou em conversa com o SAPO24, atmosfera testemunhada ao vivo na partida da Liga Betclic entre o Vitória e o Porto.
O futebol é o tema principal da nossa “perseguição” em três atos ao longo dos dois dias da cimeira, divididos pela intervenção num painel partilhado, na abertura, a explicação a quem a inquiriu e conversa de despedida com o SAPO24.
Comecemos pelo fim. “Dou 150 % do meu tempo ao desporto, não consigo descrever, não consigo viver sem o futebol, estou lesionada há oito meses, e é duro estar só ver os jogos. Gostava de estar a jogar, sinto-me vazia sem o futebol, o futebol é tudo para mim”, confidenciou.
O Europeu de Inglaterra e o Mundial da Nova Zelândia e Austrália foram o catalisador da promoção do futebol feminino. “Foi viral”. Mas não basta. “Necessitamos dos homens para darem um pontapé na promoção do jogo feminino. Não só homens, necessitamos de toda a gente”, apelou.
“Nós damos 150% do nosso trabalho. Estamos a fazer o mesmo que os homens, e na minha opinião, se as grandes estrelas começarem a olhar mais para nós, a dar mais atenção, então toda a gente começa a olhar para nós”, antecipou a internacional croata ao SAPO24.
A atenção para o futebol feminino começa e acaba num ponto. “É uma questão de dinheiro. Se tivermos mais dinheiro, teremos mais oportunidades, melhores médicos, fisioterapeutas, melhores estádios e mais gente poderá ir assistir aos nossos jogos. É muito importante”, disparou no Q&A, segunda aparição na Web Summit.
“Temos potencial, temos as skills que os homens têm, mas não somos homens, jogamos da nossa forma”, comparou em jeito de alerta.
“O futebol é o desporto mais popular, mas ainda há poucas mulheres”, relembrou. Regressa, por isso, ao tema da promoção do futebol feminino.
As redes sociais são a arma de arremesso que usa e abusa para inspirar jovens jogadoras. “Não quero ser ídolo de ninguém. Quero inspirar as meninas e mulheres, mesmo que os pais digam que é um desporto de homens”, anotou, na palestra ao lado da ginasta Peng-Peng Lee, no pavilhão 1, no Sports Trade.
É uma mulher bonita e joga futebol. Dizer que é sexy não passa de um cliché
Tem 2,9 milhões de seguidores no Instagram. Tudo começou no acaso de um post. “Trabalhava numa empresa, em marketing, comecei por baixo, não era influencer, era só jogadora. Tirei umas fotografias de futebol, coloquei no Instagram e as minhas redes sociais dispararam”, contou a uma plateia mais reduzida, um dia depois de ter partilhado o palco com a canadiana, ex-ginasta olímpica e tik-toker, Peng-Peng Lee.
“É uma responsabilidade. Quando comecei a ter cada vez mais seguidores entrei em choque. O que poderia mostrar e não mostrar. Uso para as coisas boas. Para mostrar a minha vida social, os amigos, a família e o lado mais saudável”, disse na primeira intervenção na Web Summit.
As partilhas não incomodam o balneário do emblema helvético. “Tenho bom feedback das minhas colegas de equipa. E o clube apoia e é o mais importante. Não tenho vergonha”, esclareceu.
O ódio de estimação a figuras públicas, cada vez mais crescente nas redes sociais, tem sido o lado negro deste auditório sem fronteiras. “Tenho sorte e não tenho muito ódio. Se vieram com comentários 'ela está a usar muita maquilhagem no futebol', bem... simplesmente não quero saber. E continuo. Há quem goste e há quem não goste”, frisou durante o Q&A.
Ao SAPO24, analisa na primeira pessoa esses comentários de fel e também a linguagem ofensiva de cariz sexual nas mesmas redes sociais. “Sofri, infelizmente sim”, confessou.
Deu a volta ao texto. “Reagi pedindo ao mundo que não me chamem a jogadora mais sexy do mundo porque não me vejo assim”, disse.
“Aprecio quando dizem que sou muito bonita, porque toda a mulher é bonita para mim. Claro que gosto, mas é um cliché”, acrescentou.
Já tinha tocado no tema. “Se trabalhasse em moda, não me iam dizer que era sexy. Mas como jogo futebol, parece que uma mulher não pode ser bonita e jogar futebol, é um cliché”, repetiu ao mesmo tempo que desvalorizou a importância dada às fotos em bikini. “Se fosse o Haaland...”, atirou no Sports Trade.
O “não” a um clube inglês
Os caminhos da beleza guiam a conversa, mas sempre com o futebol como âncora.
Revelou ter recusado um contrato que lhe chegou de Inglaterra. “O futebol inglês é o meu sonho, adoraria jogar, mas não fui porque estavam a olhar para o meu lado das redes sociais. Queriam usar a minha imagem”, apontou. “Queria merecer ir para jogar e não ser usada nas redes sociais e estar sentada no banco”, justificou. “As minhas redes sociais são para todos e não quero que me usem”, rematou ao SAPO24.
“Foram honestos e queriam que os ajudasse nas redes sociais”, reconheceu. “Decidi ficar na Suíça e ficar deste lado. Não quero ir porque sou familiar, quero ir pela minha carreira, pelas minhas forças e porque mereço”, respondera pouco tempo antes no período das perguntas.
Mulheres mais preparadas para o pós-futebol
É tempo de colocar os dois sexos no mesmo campo. Para Markovic, as mulheres estão “mais preparadas do que os homens” para o pós-futebol. A razão é simples e encontra eco no fosso salarial existente, o que obriga o futebol feminino a preparar esse caminho de forma mais previdente.
“Vamos estudar, trabalhar e treinamos às 18h00”, explicou. “Poucas vivem do futebol ou são profissionais, nem todas as mulheres conseguem e conseguirão viver do dinheiro do futebol”, prosseguiu.
“Estamos a preparar o nosso futuro, somos inteligentes, não digo que sejamos mais inteligentes do que os homens [risos]... até porque conheço muitos, mas no desporto, temos de estar preparadas para o futuro e fazer algo para nós”, asseverou ao SAPO24.
Prossegue no drible. “É importante prepararmo-nos para a vida depois do futebol e, em especial, nós mulheres, para não termos de viver do dinheiro dos homens”, chutou durante o Q&A.
Reserva o seu exemplo para o fim. “A empresa é a minha criança. Tenho muito potencial em mim para tudo e não direi que ficarei só pela empresa quando terminar a carreira no futebol. Tenho de encontrar o que tenho de fazer no futuro, na minha carreira, e claro que quero uma família, é uma prioridade”, finalizou a futebolista que assumiu ainda ter o desejo de jogar no Campo Nou. “A última Liga dos Campeões com 90 mil adeptos. Fiquei com pele de galinha”, disse, depois de questionada por uma fã.
Comentários