Segundo o requerimento de abertura de instrução (RAI) destes arguidos, a que a Lusa teve acesso, a acusação do Ministério Público (MP) não apresenta provas e assenta numa “estória inconsistente, ilógica, intrinsecamente contraditória e inviável”, sublinhando-se os “seis longos anos” do processo e a ausência de indícios que apontassem para a existência de um “saco azul”. Por isso, a defesa dos arguidos pede para não serem pronunciados para julgamento.
“É artificial e inútil esperar que em audiência de julgamento se faça outra luz sobre as provas já existentes nos autos”, lê-se no RAI, que acrescenta: “Em face dos indícios recolhidos nos presentes autos, inexiste qualquer possibilidade razoável ou probabilidade de os requerentes, em face dos mesmos e por sua razão, virem, em julgamento, a ser condenados numa pena”.
A acusação do MP, de fevereiro deste ano, imputa ao ex-presidente do clube da Luz três crimes de fraude fiscal qualificada e 19 de falsificação de documento, tal como Domingos Soares de Oliveira – que se manteve na SAD do Benfica após a saída de Vieira da presidência (em 2021) – e o ex-diretor financeiro do Benfica Miguel Moreira. Estes crimes são imputados em coautoria com a empresa QuestãoFlexível e o arguido José Bernardes, que liderava esta sociedade.
A SAD do Benfica é acusada de dois crimes de fraude fiscal, com o MP a acusar também a sociedade Benfica Estádio de um crime de fraude fiscal e 19 de falsificação de documento.
Para a defesa destes arguidos, a tese do MP exigiria três aspetos: a simulação dos serviços prestados, o regresso do dinheiro ao Benfica em numerário, e que este seria usado para fins que levariam à sua dissimulação ou ocultação, numa conduta ilícita.
No entanto, é citado o relatório da Polícia Judiciária, de agosto de 2022, que admitiu que “não foi possível apurar as circunstâncias em que os referidos montantes regressaram ao Grupo Benfica, nem tão pouco a quem é que estes foram efetivamente entregues e qual o seu destino final”.
Considerando que a tese do saco azul “caiu em saco roto”, os advogados destacam ainda que os serviços prestados às sociedades ‘encarnadas’ foram reais – e não simulados — e que faltou fazer prova da intenção em defraudar o Fisco: “Não faz qualquer sentido que alguém pague, e por isso perca, quase dois milhões por serviços alegadamente inexistentes para obter em vantagem fiscal (apenas) cerca de meio milhão, ou coisa que o valha”.
O RAI contesta ainda a existência do alegado plano criminoso concebido por Luís Filipe Vieira para fazer sair dinheiro das contas do Benfica sob a forma de pagamentos para fazê-lo regressar em numerário, mediante a contratualização de serviços de consultoria e assistência informática prestados pela empresa QuestãoFlexível e que o MP entendia serem fictícios.
“O MP não quer estragar uma boa história com a verdade”, sustenta a defesa, ao sublinhar que seria lógico que os levantamentos em numerário só fossem feitos após os pagamentos das sociedades ‘encarnadas’, mas que tal não se verificou, realçando ainda que também as escutas efetuadas não apontaram qualquer evidência do alegado plano criminoso.
Argumentando que Vieira e Soares de Oliveira não têm responsabilidade criminal objetiva, uma vez que “não eram responsáveis pela contabilidade, não se relacionando com fornecedores, não controlavam os pagamentos ou recebimentos”, a defesa refere que a acusação assenta numa “generalização sem qualquer fundamento factual”. Uma lógica similar é aplicada a Miguel Moreira, ao vincar que, sendo os serviços prestados reais, os factos imputados pelo MP carecem de relevância criminal.
Nesse sentido, a defesa contesta os crimes de fraude e falsificação, salientando acerca do primeiro crime que ficaram por preencher os elementos necessários para a sua validação e que não existiu dolo, enquanto para o segundo crime também não se cumpriram os elementos ou que, no limite, deveria estar em causa um único crime continuado e não 19 crimes.
“Uma acusação como esta (…) não tem hipótese de andar. Está atrofiada de morte”, resume a defesa, que pediu a inquirição de 14 testemunhas para esta fase processual facultativa que visa verificar se os indícios são suficientemente fortes para levar os arguidos a julgamento.
Por último, os advogados invocam uma eventual suspensão provisória do processo, por considerarem que se verificam os critérios para a aplicação deste mecanismo processual, sem prejuízo de uma decisão de não pronúncia que defendem como incontornável.
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