Na 18.ª sessão do julgamento da invasão à academia do Sporting, Mário Monteiro disse que o então presidente do clube, Bruno de Carvalho, referiu, numa reunião com a equipa técnica, que “podia ter acontecido uma catástrofe”, porque “eles [as claques] queriam as moradas dos jogadores”.

“O presidente disse que esteve até às seis da manhã a aturar as claques, que tinha a mulher e a filha a chorar, e que foi ele que fez com que nada acontecesse aos jogadores durante a noite, depois do jogo da Madeira, e disse: ‘Vocês nem sonham o que estava a ser preparado’”, referiu Mário Monteiro, em tribunal.

A reunião entre Bruno de Carvalho, alguns elementos da direção do Sporting e a equipa técnica, realizou-se em 14 de maio, um dia depois de os ‘leões’ terem sido derrotados por 2-1, pelo Marítimo, falhando a acesso à Liga dos Campeões.

Mário Monteiro admitiu ter visto, mas não ouvido, “uma discussão entre os jogadores Acuña e Battaglia e Fernando Mendes [antigo presidente da claque Juventude Leonina], no aeroporto do Funchal, após a derrota com o Marítimo”.

A testemunha classificou como “surreal” a reunião entre Bruno de Carvalho e a equipa técnica, referindo: “Em 26 anos de carreira profissional, nunca tinha visto uma coisa daquelas”.

Mário Monteiro considerou que a equipa técnica foi “motivo de chacota” e disse que Bruno de Carvalho, um dos 44 arguidos do processo, chegou a comparar a final da Taça de Portugal, que o clube iria jogar dias depois frente ao Desportivo das Aves, a “um furúnculo no rabo”.

“O senhor presidente chegou a dizer ao treinador: ‘Oh Jorge, estás tão preocupado com a Taça, sabes o que significa para mim a Taça de Portugal? Para mim, a Taça de Portugal é como nascer um furúnculo no rabo”, disse.

O membro da equipa técnica de Jorge Jesus, que continua a trabalhar com o treinador nos brasileiros do Flamengo, referiu que, na reunião, foi transmitida a ideia de que estavam despedidos, mas que o treino do dia seguinte – antes do qual aconteceu a invasão – teria de ser marcado.

“Na reunião, Jorge Jesus perguntou se ainda iria fazer o jogo da Taça, mas não lhe foi dada resposta”, disse Mário Monteiro, que no dia 15 de maio de 2018 foi atingido, no abdómen, por uma tocha, durante a invasão à academia.

Mário Monteiro disse ter visto as “agressões aos futebolistas Bas Dost e Misic”, e acrescentou: “A única coisa que eu sei é que levei com uma tocha, não posso dizer que era deliberadamente para mim, mas fui atingido”.

Depois de os invasores terem saído, Mário Monteiro disse ter conversado na rua com Fernando Mendes, Elton Camará, conhecido como Aleluia, Nuno Torres, e uma outra pessoa que não conseguiu identificar, sobre o que se tinha passado.

“Eles trataram-me bem e disseram que estavam ali para conversar. Eles disseram-me: ‘Não nos revemos nestes atos’” afirmou, explicando ter dito aos quatro homens, todos arguidos no processo: “Levei com uma tocha no abdómen, mas poderia ter sido na cara, e agora poderia estar cego”.

Mário Monteiro admitiu em tribunal ter recorrido a ajuda médica depois do ataque, e ter ponderado abandonar o futebol, depois dos incidentes, e de um problema familiar grave, e lamentou: “Não houve ninguém no Sporting que me perguntasse se eu precisava de ajuda”.

Na 18.ª sessão, o coletivo de juízes ouviu ainda quatro testemunhas arroladas pelos arguidos Guilherme Sousa e Filipe Alegria.

O julgamento prossegue na quarta-feira, com a audição de duas testemunhas do ‘staff’ médico durante a manhã, devendo o futebolista Picinni ser ouvido na sexta-feira, dia 17.

William Carvalho, à data um dos capitães da equipa, deve ser ouvido pelo coletivo de juízes em 31 de janeiro.

O processo tem 44 arguidos, acusados da coautoria de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.

Bruno de Carvalho, à data presidente do clube, ‘Mustafá’, líder da Juventude Leonina, e Bruno Jacinto, ex-oficial de ligação aos adeptos do Sporting, estão acusados, como autores morais, de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.

Os três arguidos respondem ainda por um crime de detenção de arma proibida agravado e ‘Mustafá’ também por um crime de tráfico de estupefacientes.